Praguejando By Gilberto Agostinho / Share 0 Tweet Pessoal, eu estive viajando nestes últimos dias e não tive tempo de preparar um artigo. Deixo vocês então na companhia de dois poetas depressivos tchecos, os quais eu traduzi o melhor que pude. Espero que vocês gostem. Volto na semana que vem, grande abraço a todos! * * * “O fim do mundo” – Miroslav Holub O pássaro chegou ao fim de sua canção e a árvore se desfez sob suas garras. E no céu as nuvens se dissolveram e a escuridão invadiu todas as frestas da embarcação naufragante que era o mundo. Apenas nos fios do telégrafo havia uma mensagem, ainda codificada: V…- e. n-. h…. a.- p.–. a.- r.-. a.- c-.-. a.- s… a.- v…- o— c-.-. ê. t- e. m– u..- m– f..-. i.. l.— h…. o— * * * “In memoriam” – Jiri Karásek ze Lvovic Apenas os macios e úmidos cabelos, seus companheiros, agora na sua terrível cova, lentamente, lentamente apodrecem, e seu asqueroso e esfarrapado traje funerário, rompendo-se, decompondo-se, esconde o seu corpo. Este corpo cheio de força e alegria, estes olhos bons como se sua alma sonhasse, seus cabelos com seu bom odor, tudo isto na cova lentamente, lentamente apodrece. E a mim parece que no meu próprio corpo também já existe asqueroso verme, decompondo e rompendo as vestes com as quais a Morte me veste. E já agora os meus cabelos, caro amigo, como os seus, lentamente, lentamente apodrecem. * * * “Eu afinei a minha viola o mais grave possível” – Karel Hlavácek Eu afinei a minha viola o mais grave possível,e com delicado acompanhamento, na noite eu canto. O inquieto instrumentista, taciturno e nostálgico,ainda busca a mágica das velhas e irônicas baladas. Eu toco a minha viola herdada somente para eles, tão somente para eles,que, pelo amanhecer, escutam longinquamente a música das noites insones. Minhas melodias querem ter a tristeza de tudoque cresceu, floresceu e amadureceu em vão, para ninguém, e a esperança e a incerta ternura do quequer brotar na infértil terra da margem distante, e querem ter um som inseguro, mas suave, e confundir os sentidos,como a vibração das cordas graves amortecidas pela sordina, e querem poder confiar no silêncio dos staccatos prolongados,quando estão para chorar nas posições mais baixas… Eu toco a minha viola herdada somente quando, tão somente no momentoem que a lua está para surgir e a paisagem ainda está imersa nas trevas, e quando a dura vigília cai de trás das florestas e águas,e o grande segredo das festas natalinas vai pela paisagem. Meus dedos esguios sempre tremem nervosamente ao passar pelas cordas,quando, com delicado acompanhamento, na noite eu canto… Eu afinei a minha viola o mais grave possível. * * * Eu gostaria de deixar meus sinceros agradecimentos à Markéta Kučerová, minha querida professora de tcheco e aluna de português, quem me ajudou muito não somente com estas traduções, mas também me ajuda sempre com este dificílimo idioma. Obrigado.