Considerações sociais


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Os tchecos são pessoas peculiares e a sua maneira de agir em sociedade surpreende este escriba brasileiro. Eu já falei muito sobre o choque cultural que eu tive quando me mudei para Praga, mas hoje irei contar algumas histórias exemplificando melhor o que se passa por aqui. Os tchecos não são simplesmente tímidos; são calados e desconfiados, e qualquer tipo de contato com alguém na rua é sempre recebido com uma cara de surpresa, mesmo que este seja apenas um simples pedido de informações. Isto se deve, em parte, ao fato de o país ter sido invadido pelos nazistas e, posteriormente, pelos comunistas. As pessoas mais velhas parecem ainda não enxergar que a sociedade atual é mais livre do que a de seu tempo, mesmo vinte anos depois da saída dos russos, e, aparentemente, ainda tem medo de serem entregues como traidores a algum tribunal russo.

Eu acabei de voltar de Munique, e notei uma grande diferença no estilo de vida destas duas cidades. As pessoas são sorridentes por lá, todos andam de bicicleta, carregam cestas com frutas e pães, ficam sentados em algum dos milhares de cafés espalhados pela cidade ou à beira do rio. São de um temperamento forte, gritam, brigam, empurram – o que também consiste em felicidade. Já aqui em Praga…

Listarei então alguns exemplos de atitudes que eu vejo diariamente nesta cidade. O mais irritante de todos se dá quando você toma um bonde às seis horas da tarde, horário de pico, e sempre há um único assento vazio, apesar de haver uma multidão em pé. É como se ninguém quisesse comer a última cereja do bolo, se preocupando com o que as pessoas em volta irão pensar. E o assento fica lá, vazio, e o bonde cheio. Além disto, sempre que você oferece seu assento para um idoso que mal consegue se segurar nas barras, ele responde que não quer sentar e que vai descer logo. Eu descobri depois de um tempo que isto tudo é pura formalidade e que, no fundo, ele quer mesmo é se sentar. E se você sorri de volta e continua sentado, concordando com o que ele te disse, ele pode começar a te dar empurrões ou guarda-chuvadas na perna até você se levantar (Isto é um fato verídico, testado e comprovado).

Para se fazer amigos tchecos, o melhor jeito é ser apresentado por algum amigo em comum. É muito difícil fazer amizades com pessoas na rua ou mesmo na universidade, principalmente se você for um estrangeiro. Há aquela desconfiança que eu já mencionei anteriormente, mas há também outro fator: os tchecos se sentem muito envergonhados quando não falam uma língua fluentemente. Mesmo pessoas que falam muito bem inglês, por exemplo, costumam ficar tímidas e coradas quando começam a falar. E aí vem a parte mais engraçada, estas pessoas normalmente te culpam por estar falando em inglês com elas. Para o tcheco, a culpa é sempre alheia. Uma outra história trágico-cômica: na minha primeira semana, eu fui apresentado por um grande amigo tcheco a seu grupo de conhecidos. Ao chegar, eu dei um tapinha nas costas e aperto de mão em cada rapaz e um beijo em cada menina. Resultado? Nunca mais falaram comigo.

Um outro exemplo engraçado para vocês, e triste para mim, são as minhas aulas de composição. O meu professor, infelizmente, não fala inglês, e eu faço muita questão de ter aulas com ele. A solução para este problema veio quando ele me propos que a sua esposa servisse de intérprete na aula, uma solução muito boa para mim e aparentemente boa para ele (ele gosta muito de dar aulas para mim e, além disso, recebe muito mais dos alunos estrangeiros). O problema é que ela não gosta perder uma hora da sua semana, o que é compreensível, mas ao invés de conversar com o marido e resolver os problemas deles em casa, ela desconta sua raiva sobre este pobre estudante! Se ela não entende algum termo que eu usei em inglês, ela me pede, de maneira grosseira, que eu fale mais "inteligivelmente". Se ela não sabe a tradução de algum termo tcheco, e eu por acaso sei e digo, eu recebo um olhar rancoroso de volta. Mas as tchecas nunca ousam falar nada com os seus maridos; elas preferem continuar com seu jeito rabujento durante o resto do dia.

E depois de viver por nove meses aqui e me acostumar completamente com este estilo de vida, algo inusitado me acontece. Um sujeito sorridente e bem vestido me aborda na rua, e travamos o seguinte diálogo em tcheco:

Sujeito: – Bom dia, tudo bem.
Eu: – Tudo bem. O que o senhor deseja?
– *diz algo que eu não entendi*
– Eu lamento mas eu não falo tcheco.
– Ah não? E você faz o que aqui em Praga?
– Eu sou estudante, mas, amigo, o que você deseja?
– Ah nada, eu só queria te desejar um bom-dia.
– Então um bom dia para o senhor também.

Ele sorri e sai correndo. A minha primeira reação após esta despedida foi checar meus bolsos e ver se eu ainda possuia a minha carteira e o meu passaporte. Estavam lá, e eu sinceramente não entendo o que se passou. Alguém aqui consegue me explicar o que aconteceu?

E, depois disto, uma certa tristeza tomou conta de mim. Primeiro porque eu percebi o quão mudado eu estou, cada vez mais tcheco. Mas foram principalmente a desconfiança e a falta de inocência, características indissociáveis das grandes cidades, que me abalaram. Ninguém quer, simplesmente, desejar bom dia a outra pessoa, isto não acontece e eu seria um lunático se pensasse que isto é normal. Mas deveria ser… seja em São Paulo, ou em Tóquio, as pessoas são sempre assim, e este individualismo exagerado é opressor. Eu não sei quanto tempo eu suportaria viver longe de uma cidade grande, mas em relação ao convívio com as outras pessoas eu tenho plena certeza de que não existe lugar melhor do que o interior, mesmo na República Tcheca.

[Pessoal, peço desculpas pelo meu atraso nesta semana. Esta viagem para Munique mexeu demais com os meus horários e eu estou sem tempo para respirar! Então o texto saiu de improviso, atrasado e sem revisão.]

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Gilberto Agostinho