Ainda temos muito que aprender

Desde que cheguei à Espanha, nunca me senti como um estrangeiro e a palavra imigrante ou exilado só me lembrava a Gonçalves Dias, de quem os versos, recordo sempre emocionado. Naquela época, não havia problema para entrar aqui e quando entrei, via Barcelona, só tive que mostrar o passaporte. As coisas mudaram muito e a situação, com avanço da direita, a poucos dias das eleições presidenciais, começa a ser preocupante.

Andando pelas ruas, notava que aqui o povo falava muito de estrangeiros e imigrantes, principalmente mouros. Comecei a perceber que o espaço era limitado, muito mais que no Brasil, onde a gente viaja quilômetros e quilômetros por campos com uma baixíssima densidade demográfica. Viajando pela Espanha, eu via como os campos estão completamente ocupados por cultivos e a cada poucos quilômetros há uma cidade. Percebi, então, que existia uma verdadeira preocupação pelo território e sua distribuição.

A pesar disso, o espanhol sempre foi amável com os visitantes, menos com os marroquinos, que mesmo formando o maior coletivo de imigrantes do país, não se integram reunindo-se em pequenos guetos.

Mas de alguns anos para cá, a coisa mudou muito com a chegada de milhares de cidadãos latino-americanos, principalmente os de fala hispânica. Os brasileiros ainda somos relativamente poucos e fazemos pouco barulho.

Esta situação está provocando uma série de conflitos com a população local, que acostumada a diferentes invasões ao longo dos séculos, está começando a ver a imigração latina como outro perigo para o seu bem-estar.

Na minha opinião, isto ocorre por influencia dos meios de comunicação, que tratam de forma errônea o fenômeno da imigração. Quando um jornal, que na maioria das vezes usa o sensacionalismo para vender, da uma noticia de um roubo, frisa a participação dos latinos dando a impressão equivocada de que estes são os responsáveis pelo aumento da criminalidade. Todos os dias a televisão fala de delitos cometidos por cidadãos latinos, mesmo que sejam pequenos ou insignificantes comparando com as estatísticas gerais. Por outro lado, os benefícios aportados à sociedade por este coletivo, que na sua grande maioria é de gente trabalhadora e honesta, não têm interesse para as vendas de jornais ou para aumentar a audiência televisiva.

Por exemplo: desde que cheguei, poucas vezes vi alguma reportagem sobre a beleza do nosso país e suas regiões, mas são comuns os documentários sobre a devastação da selva amazônica, que deixam entrever que a culpa é dos brasileiros. Aqui na Espanha existem varias empresas importadoras de madeira nobre procedente da região amazônica, que deveriam compartir a culpa da destruição da nossa floresta com outras nações da Europa, Ásia e Estados Unidos. É mais fácil comprar um móvel de madeira nobre brasileira aqui que no Brasil. É como as drogas, os traficantes existem porque existem os consumidores.

Toda esta informação parcial, leva a um entendimento deturpado sobre a imigração por parte da população, fato que ultimamente está sendo aproveitado pela direita racista e xenófoba para ganhar terreno, não só na Espanha como no resto da Europa.

A poucas semanas para as eleições presidenciais espanholas, os imigrantes estão sendo atacados pelos políticos de direita, que tentam desesperadamente recuperar alguns dos votos perdidos nos passados comícios, quando o governo direitista de José María Aznar, mentiu descaradamente sobre as investigações dos atentados de Madrid, perdendo a confiança dos cidadãos.

Uma das últimas "pérolas" sacadas do fundo da (de)mente direitista, propõe a criação de um contrato que teriam que assinar as pessoas interessadas em morar na Espanha. Este contrato obrigaria o imigrante a adaptar-se a alguns costumes espanhóis, os quais ainda não foram especificados. Eu aqui fico imaginando quais costumes estaríamos obrigados a assumir. Talvez a "siesta" seja um, ou tomar "cañas", ou quem sabe, levar à cama alguma turista alemã, todos eles costumes muito estendidos neste país. Ou será que este contrato nos obrigará a pagar mais à previdência social e a usar menos os serviços médicos? Não estou falando nenhuma besteira, porque o político autor da iluminada proposta, acusa literalmente às mulheres equatorianas por solicitar exames de mama, alegando que no seu país de origem estes exames são caros. Mas elas sim têm a obrigação de pagar, e como eu já publiquei no OPS, a arrecadação da previdência social aumentou uma barbaridade nos últimos anos graças ao aporte dos imigrantes.

Tenho medo. Realmente tenho medo de um retrocesso nos avanços alcançados no terreno dos direitos humanos. Cada vez mais pessoas repetem nas ruas as besteiras paridas pelos redatores xenófobos dos jornais e pelos políticos de direita oportunistas. Onde vamos acabar? Estamos bem (mal) rodeados.

Espero que o bom senso prevaleça na população espanhola, que é na sua grande maioria, gente alegre e de boa convivência e a direita e suas propostas absurdas sejam afastadas de toda esperança de ocupar o poder. Do contrario, a coisa vai ficar feia, não só para os imigrantes, mas para a raça humana em geral, que depois de tanta paulada ainda não aprendeu nada. Que pena.

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Carlos Venturelli