Cruz e Sousa

Cruz e Sousa

Os malditos são os que podem contradizer o que a “elite intelectual", ou o bom-gosto, ou a crítica ou o senso comum diz ou percebe. Porém, o preço que pagam por isso nem sempre chega ao patamar da vida boêmia e outsider elegida por livre espontânea vontade. Exemplo perfeito disso está no simbolismo brasileiro.

O decadentismo em terras tupiniquins não teve a aura romântica (em sentido ideológico), ou poetas correndo descabelados pelas ruas, entre doses de ópio e bebedeiras memoráveis. Mas teve loucura, lirismo e a indefectível ambientação onírica.

De certa maneira, Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens e Augusto dos Anjos (que não sei ao certo se pode estar aqui) fizeram uma suave contraposição à objetividade de fin de siécle e aos inícios da Belle Époque, empolgada com novas descobertas e as promessas de progresso econômico e social. Na contramão, os simbolistas trazem misticismo e espiritualidade, em franca fuga à realidade que para eles parece não fazer eco à poesia. É uma viagem ao mundo invisível e impalpável do ser humano e, para dar corpo a essa travessia espiritualizada, buscam uma linguagem nem sempre clara, mas sempre sugestiva e simbólica.

Cruz e Sousa enche a poesia brasileira de musicalidade e de sensações em que não faz falta a análise da palavra, mas a capacidade de sentir. O eu lírico, no entanto, é muito do poeta. Não me parece que haja uma forma de determinar que sentimento é aquele que nos está envolvendo porque é de uma particularidade tão absolutamente subjetiva que só podemos juntar a ele nossa própria subjetividade para poder jogar assim o jogo poético.

O simbolismo brasileiro está em Cruz e Sousa. Ele é a representação absoluta da estética no país. Maldito por quê? Por não existir num contexto em que só a elite que repetia versos à náusea podia elevar-se. A existência de Cruz e Sousa foi um constante intento de sair de um atoleiro de desgraça sociais e econômicas que dizimariam sua família e afinal a ele também. Simplesmente não existiu, mas insistia em estar lá.

Costuma-se dizer que sua predileção por cores e formas que remetem ao branco é uma espécie de ânsia por um ideal branco ou algo assim. Pouco acredito nisso. Basta ver como se encadeia a poesia de Cruz e Sousa para perceber que essa insistência no branco atende antes a fantasmagoria, ao etéreo e ao onírico que a um projeto de branqueamento. Mas talvez me equivoque. Afinal, num país e numa época de racismo feroz, ter a cor adequada equivaleria a poder aspirar ao reconhecimento. Mas, como sempre, acho que a poesia é tudo e ponto. Que seu poeta seja maldito, isso sim me interessa porque resulta numa excelente maneira de discutir a maravilhosa resistência artística que, ainda que tarde, termina por vencer a mediocridade.

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Rosane Cardoso: 200 anos de Poe