Poe: entre a biografia e a obra


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Que escrever sobre Edgar Allan Poe (1809-1849), como escritor maldito, que já não tenha sido dito? Bem, como não tenho de ser professora neste espaço, posso falar simplesmente sobre minha entrada no universo poeano. Isso deve fazer séculos, numa felizmente extinta adolescência – época de predisposição à maldição. E lá estava Ligéia, atravessando paredes e sonhos de um narrador atormentado. À Ligéia seguiu-se outra preciosidade: O gato preto, e aí O corvo e todo o “bestiário” de Poe.

Sobretudo, ele foi o primeiro escritor na minha ingênua crença na humanidade e no amor que falou de paixões e casamentos que se dissipam no tédio do cotidiano e chegam ao submundo do ódio. Não dava para entender aquilo. Como o fascínio por alguém tão prontamente se transformava em algo insano? Ademais, minha idéia de romantismo era uma idéia relacionada ao amor incondicional. Ainda não conhecia o mal-du-siécle. Mas não faria diferença, pois Poe, apesar de ser um ícone romântico, extrapola os estereótipos. Como todo bom escritor maldito.

Poe foi o autor das brumas, da alucinação, da morte, mas também da lógica detetivesca e da composição literária. Mas não vou falar de sua poesia nem de seus contos. Vou falar da sua ironia toda posta em um texto chamado A filosofia da composição, obra essencial à poética do texto literário.

Ali, Poe rompe paulatinamente com uma idéia cara ao Romantismo: a inspiração. No artigo, comenta seu poema mais festejado, O corvo. Cruelmente – ao menos para uma leitora apaixonada como eu – desmitifica a dor do sujeito-lírico. Para o poeta, ocorre um erro crasso no modo como geralmente é construída a ficcionalidade: encher de descrições, diálogos e comentários autorais qualquer vazio que haja no texto. Poe prefere crer em efeito. Ou seja, em atingir o leitor, partindo daquilo que supostamente lhe faz tocar a alma. E com isso, ministra uma das melhores aulas de teoria literária que já tive na vida.

Edgar Allan Poe continua sendo assunto pra muita gente. Desde que Baudelaire o descobriu, há mais de um século e meio, a crítica vem seguindo a sua trilha, logrando um êxito editorial que, se fosse vivo, provavelmente perderia no jogo. Ainda que a biografia dele interesse pouco – falamos de literatura – Poe tem se mostrado quase nada ao longo do tempo. Sim, conhecemos sua vida de bebida, drogas, desavenças, desenganos. Mas sempre sinto que nenhum estudo realmente penetra biograficamente para além do escândalo.

Poe é o mais original dos malditos. Diferente dos românticos, não criou para si uma aura idealista e nefelibata. Era só ele desde sempre. Não buscou correntes ou mentores ou parcerias literárias. Seguiu sempre sozinho. Na verdade, lutando para estar sozinho. Cinco minutos pensando nele e percebemos que é a própria carta roubada.

 

 

Mesmo que minha adolescência esteja muito longe, Poe ainda me impressiona.

Voltarei a falar dele. Seguramente.

Não tem saída.

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Rosane Cardoso: 200 anos de Poe