Questões como a inovação e a originalidade são recentes na pintura. E é Baudelaire quem as coloca em pauta.
Imagine-se um artista que estivesse sempre, espiritualmente, em estado de convalescença e se terá a chave do caráter de C. G.
Ora, a convalescença é como uma volta à infância. O convalescente goza, no mais alto grau, como a criança, da faculdade de se interessar intensamente pelas coisas, mesmo por aquelas que aparentemente se mostram as mais triviais.

Assim Baudelaire define Constantin Guys, pintor moderno por excelência, segundo o poeta. O que chama a atenção nesse pequeno trecho é a relevância, até então inédita, dada à novidade. A novidade e o ineditismo, por mais que isso nos pareça estranho hoje, não eram exigências feitas ao pintor. Constantemente, os artistas eram contratados para fazerem trabalhos à moda de alguém. Originalidade, portanto, é coisa moderna, e Baudelaire fez-se porta-voz dessa nova abordagem. Isto implica que sua concepção do belo necessariamente inclui o transitório ao lado do perene; daquilo o que é fugaz junto àquilo o que é a totalidade da experiência do tempo. Baudelaire afirma essa posição com clareza quando fala do interesse do “solitário com imaginação ativa” pela moda: “trata-se, para ele, de tirar da moda o que esta pode conter de poético no histórico, de extrair o eterno do transitório”. Poemas como “Uma Carniça” e “Remorso Póstumo” corroboram esse posicionamento.
Outro ponto fundamental no pensamento de Baudelaire é a cidade. A experiência da modernidade é uma experiência necessariamente urbana, e a cidade é o tema principal do pintor moderno. Não a cidade enquanto paisagem, mas antes suas relações, seus cruzamentos, suas exclusões, suas novíssimas funções e seus novos valores. É o que se pode observar nas próprias obras do poeta, especialmente nos “Quadros Parisienses”.
Penso que dois artistas traduziram à perfeição o pensamento baudelariano: Whistler (assunto de um artigo anterior) e Manet. Este, como o pintor da cidade e de suas conexões. Já Whistler aproxima-se das concepções de Baudelaire por outro caminho: o da teoria das correspondências e do dandismo.
A teoria das correspondências tem origem mística: preconiza o mundo como um reflexo pálido do céu. Tem suas raízes nos primórdios do cristianismo e encontrará uma sistematização definitiva no século XVIII com o filósofo sueco Emmanuel Swedenborg.
Baudelaire certamente conhecia essa teoria através de Edgar Allan Poe, além de alguns outros contemporâneos seus que trataram do tema. A teoria das correspondências imagina a existência de um mundo invisível e superior, onde sons, cores e perfumes formariam uma “tenebrosa e profunda unidade”. Um postulado desse posicionamento pode ser visto no poema “Correspondências”.
Whistler encarna ainda, melhor do que Manet, a figura do dândi, esta personagem símbolo da modernidade. O destaque dado por Baudelaire ao dandismo é a face mais visível do seu culto ao artificial, ao difícil, e também de sua visão negativa da natureza.
É importante notar que não há analogia direta entre a obra de Manet e os versos de Baudelaire (em Whistler talvez exista). Como afirmou Émile Zola: “conheço a viva simpatia que aproximou o poeta e o pintor; mas penso poder afirmar que este último (Manet) jamais cometeu a bobagem, como tantos outros, de querer colocar idéias em sua pintura”.