Freud, a Rainha e a Pintura.


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A Rainha encomenda um retrato a ser pintado por um dos maiores pintores de sua época. O artista executa a tarefa. Ela odeia o resultado. Há quantos séculos isso aconteceu? Na verdade, em 2001…

Há alguns anos, depois de um período de negociações complicadas, o pintor Lucian Freud executou um retrato da rainha Elizabeth II. Complicadas para ambos: Freud é conhecido por demorar meses na feitura de seus quadros, insistindo sempre na presença dos modelos em todas as sessões, que normalmente acontecem durante todos os dias da semana. E a rainha… bom, a rainha é a rainha, não é?
Negociou-se, a rainha dignou-se a posar por alguns minutos em uns poucos dias, e Freud pintou seu retrato.
Que é minúsculo. Não coube nem a coroa inteira. Consta que a rainha, acostumada com os Winterhalters da vida, não gostou nem um pouco: comentou que parecia um transexual (duvido muito que ela tenha dito isso…).
Duas coisas me chamaram a atenção nessa história toda: a encomenda do retrato e o tamanho do dito cujo. E por causa dessas duas coisas fiquei pensando sobre o que é da pintura hoje.
Durante séculos o pintor viveu das encomendas da nobreza e do clero. A emancipação do artista (se é que isso existe) é coisa recente, dos fins do século XIX. Até então, ou o sujeito enquadrava-se dentro da moldura estreita da Academia, ou não existia.
E a Academia possuía regras muito rígidas sobre como um quadro deveria ser executado, e também hierarquia quanto aos motivos dignos de serem pintados. O retrato, de um notável, obviamente, só perdia em importância para o quadro histórico. Mesmo com essas amarras, grandes artistas fizeram grandes trabalhos. De cara, lembro de Van Dyck e Velazquéz. E de Gainsborough e Reynolds, para citar dois outros já nos exatos contextos da Academia e da Inglaterra.
O que me traz de volta à Lucian Freud e a rainha Elizabeth II. O quadro foi pintado entre maio de 2000 e dezembro de 2001. Justamente durante a passagem do século XX para o XXI. Poderia haver algo mais extemporâneo do que um pintor sendo encarregado de pintar o retrato de um monarca? E no final das contas não são ambos, pintor e monarca, anacronismos um tanto quanto absurdos?
Há a tentação de se afirmar que ambos são excentricidades típicas dos britânicos. Pode ser. Mas isso não impede, por exemplo, que cada presidente dos Estados Unidos tenha seu retrato pintado pelo artista oficial do período (todos eles pavorosos, diga-se de passagem). E mesmo a nossa nobreza de revista Caras delicia-se encomendando os quadros daquele estupendo Camasmie, ou Casmamie, confesso que não sei a grafia correta. A necessidade das elites de afirmarem-se por meio de um retrato ainda existe, isso é claro. Voltarei a tratar disso em outra ocasião.
O que há de diferente nessa história toda é que Lucian Freud é um senhor pintor e, pelo menos entre os britânicos, a família real inglesa tem relevância. E, no entanto, o quadro é menor do que uma folha de papel A4.
Minha vontade é de afirmar com todas as letras: este é o tamanho da monarquia no século XXI. Mas é melhor não afirmar nada, porque imediatamente me vem à cabeça que esse também pode ser o tamanho da pintura em nossos dias. De novo, fico sem saber como responder. Ou quem sabe eu não queira, porque talvez seja óbvio demais: a resposta é sim, este é o tamanho da importância da realeza e este é o tamanho da importância da pintura no século XXI.
Acho que seria legal se o papa Bento XVI encomendasse um retrato ao Lucian Freud. É improvável, diria mesmo impossível que isso acontecesse, mas acho muito engraçado só de imaginar… Afinal, os dois são alemães, quem sabe eles não se entendem?

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.