O espantoso governador José Serra


Warning: array_rand(): Array is empty in /home/opensador/public_html/wp-content/themes/performag/inc/helpers/views.php on line 280

Notice: Undefined index: in /home/opensador/public_html/wp-content/themes/performag/inc/helpers/views.php on line 281

Livros para adultos são distribuídos pela Secretaria de Educação para criancinhas de nove anos. Ou, como disse o Spacca, "compraram livros sem ler para estimular a leitura dos jovens!"

Outro dia, postei aqui um texto absolutamente ficcional imaginando como seria divulgado o roubo de uma obra como “A Origem do Mundo”, de Courbet. Originalmente, eu ia usar como exemplo algum trabalho do Hans Bellmer. Mas como seu trabalho é, por natureza, polêmico, achei melhor usar o trabalho de um artista menos dado à controvérsias (hoje em dia, pelo menos).
Mas eis que a realidade sempre nos supera.
Não, não houve nenhum roubo. E não é nada relacionado à pintura.
É pior. Relaciona-se com a situação desalentadora em que se encontra a educação no Brasil, com a ignorância, preguiça e má-fé da imprensa e com a ignorância, o descaso e a hipocrisia do estado, aqui representado pelo digníssimo governador do estado de São Paulo, o senhor José Serra.
Refiro-me aos livros comprados e posteriormente recolhidos pela Secretaria de Educação do Estado.
Primeiro, uma HQ: “Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol”. E ontem, uma coletânea de poemas: “Poesia do Dia – Poetas de Hoje para Leitores de Agora”. Ambos foram distribuídos para alunos da terceira série do ensino fundamental. A HQ estaria “recheada de palavrões” e faria “apologia ao PCC”. Palavrões também são o problema da coletânea de poesia. Um horror, para resumir a reação da mídia impressa e televisiva. O governador deu o veredicto, homem culto e refinado que é: “Eu, aliás, achei de muito mau gosto. Desenho, tudo.”
Não vou entrar no mérito das obras, que não é o caso. O que é importante notar é que ambas as obras NÃO SÃO destinadas para crianças de nove anos de idade. Ponto final. Não deviam ser distribuídas para crianças de nove anos de idade. Toda a polêmica que se seguiu é fruto, como já afirmei e torno a afirmar, da ignorância e da má-fé da imprensa e da ignorância e da hipocrisia (para não falar da mais absoluta incompetência) do governo do estado.
A imprensa abusou do direito de exercer sua mais absoluta falta de conhecimento sobre histórias em quadrinhos ao conceituá-las como sinônimo de literatura infantil. Abusou da preguiça ao não se dar ao trabalho de, em pleno século XXI, pesquisar e descobrir – surpresa! – que HQs não são feitas apenas para crianças: existem histórias em quadrinhos para adultos. Joelmir Betting, no Jornal da Band, clama por um código de defesa de pais e alunos. Carla Vilhena, na Globo, demonstra pânico com a possibilidade de que semelhantes horrores caiam nas mãos das suas crianças, mãe zelosa que é.
A imprensa abusa também da má-fé. Li ontem na Folha, num texto assinado por um certo Fábio Takahashi: “Livro para adolescentes é entregue a crianças em SP – A obra, uma coletânea de poesias, tem frases como ‘Nunca ame ninguém. Estupre’”.
Espera aí: por que o jornalista destaca UM, apenas um verso do poema? Justamente um que é, para continuar usando o termo mais usado pelas autoridades e jornalistas nessa polêmica, “um horror”? Continuo lendo a matéria e fico sabendo que o verso faz parte de um poema chamado “Manual de Auto-Ajuda para Supervilões”. O autor, Joca Reiners Terron, é citado: "Não é para crianças de nove anos. São várias ironias, que elas não entendem". Muito bom: no meio da matéria, temos a versão do autor e mais uns dois versos pinçados pelo Sr. Takahashi. Mas a frase que está em destaque na manchete é a mais chocante, naturalmente. Ora, por que isso? Por que não se publica o poema todo, se a função de um jornal é informar? Isso é má-fé e sensacionalismo. Pode-se fazer o mesmo com James Joyce, por exemplo. Imagine a manchete: “Livro pornográfico de escritor irlandês é entregue a crianças em SP – A obra tem frases como ‘À merda, filhos da puta!’”
Já o governo… O governador Serra afirmou: "Responsáveis por cartilhas com conteúdo impróprio serão punidos". E quem o governador responsabilizou? Os autores! Os autores! Eles foram os responsáveis por distribuir os livros para as crianças!
É muita hipocrisia, é muita incompetência. Quer punir o responsável, Sr. Serra? Puna-se a si próprio. O senhor é o maior responsável, mais até do que os secretários de educação, a que se demitiu e o atual, o também inigualável Sr. Paulo Renato, o multiplicador das faculdades que não ousam dizer o nome.
Um horror não é uma HQ com palavrões. Um horror, e de muito mau gosto, é governo que trata com descaso a educação, que empurra a sua responsabilidade para terceiros. Aliás, fazer o que os governantes do Brasil, em todas as esferas, fazem com a educação é mais do que um horror: é crime de lesa-pátria.

ps: que me perdoem os meus caros leitores se fujo um pouco da minha temática habitual. Mas não pude evitar de comentar esse assunto.

ps 2: um novo fato espantoso de outro ser espantoso: a escritora da Casa das Sete Mulheres tá processando o Milton Ribeiro por causa de um post em seu blog. Que o governador Serra, que deve ser um grande fã da senhora citada (dado o seu excelente gosto literário) não fique sabendo disso, porque é capaz de chamá-la para selecionar os livros para as criancinhas de São Paulo. Mais informações sobre a atitude grotesca da escritora global aqui.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.