Prenúncio da guerra – O Futurismo


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Ou, de como o Futurismo já trazia em si, mesmo que de forma inconsciente, indícios dos tempos de horror que estavam por vir.

Queremos cantar o amor do perigo, o hábito da energia e da temeridade/ Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida adornado de grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo… um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória da Samotrácia/(…)/ Queremos glorificar a guerra – a única higiene do mundo –, o militarismo , o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas idéias pelas quais se morre e o desprezo da mulher/ Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo tipo, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária. (…) É da Itália que lançamos ao mundo esse manifesto de violência arrebatadora e incendiária com o qual fundamos nosso Futurismo, porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários.

O texto acima faz parte do manifesto dos Futuristas publicado originalmente em 20 de fevereiro de 1909 no jornal Le Figaro, de Paris.
O Futurismo talvez não tenha sido o primeiro movimento de vanguarda, mas com certeza foi primeiro a utilizar-se dos métodos propagandísticos que se tornaram típicos dos grupos vanguardistas: um movimento ideológico, de subversão da cultura e dos hábitos estabelecidos e de negação do passado.
É importante notar também que no início do século XX todos os artistas não-acadêmicos eram chamados pela imprensa e pelos críticos mais conservadores de futuristas.
Entretanto, como movimento consciente, com partido e programa próprios, o Futurismo tem data, local e hora de nascimento. O principal teórico, e também o líder do movimento, foi o poeta italiano F. T. Marinetti. Ele foi o autor dos principais manifestos, e não podia deixar de sê-lo, já que sua prosa inflamada galvanizava artistas, poetas e intelectuais de toda a Europa, e mesmo nos EUA. Em torno de Marinetti reuniam-se artistas como Luigi Russolo, Umberto Boccioni, Gino Severini, Carlo Carrá, Giacomo Balla, Antonio Sant’Elia (este, arquiteto),entre outros.
O que pretendo ressaltar aqui é a distância existente entre a teoria e a prática dos futuristas e de como esta prosa cheia de som e fúria revelou-se perigosa e prenhe de contradições.
Se os manifestos de Marinetti pregavam a destruição (literal) de tudo o que fosse “passado”, na prática, os esforços dos pintores e escultores ligados ao movimento eram bem mais conservadores do que os discursos faziam crer. Já se definiu muito apropriadamente a pintura futurista como um “impressionismo radicalizado”: uma pintura que busca capturar uma sensação fugidia, um momento específico e, na abordagem dos futuristas, a captura do movimento, da velocidade e do tumulto. E, pior, capturar “estados de alma”, como nos quadros de Boccioni. Ora, os futuristas pretendiam-se anti-românticos: por que diabos um futurista quer expressar suas emoções?
G. C. Argan observa que as vanguardas que se apresentam como tais são fenômenos característicos de países culturalmente menos desenvolvidos. O desejo de subverter a cultura e os costumes na verdade oculta o sonho da revolução industrial, tecnológica (o que fica muito claro no manifesto de Marinetti), e isso ainda é, por mais que os vanguardistas neguem, uma revolução burguesa. O apelo ao discurso escandaloso e chocante, o uso escancarado de uma propaganda (efetiva, diga-se de passagem) agressiva e flamejante é a máscara de um oportunismo visceral. Isso fica muito claro quando, posteriormente, Marinetti torna-se fascista e membro da Accademia d’Italia, que tanto havia combatido. Os velhos valores morais, que tanto condenam nos textos teóricos, continuam sendo os mesmos do século XIX, como o chocante desprezo pelas mulheres. Desejam um mundo de máquinas e indústrias fumarentas, mas querem criar um lirismo a partir disso.
Tudo isso permaneceria apenas como contradições e bravatas literárias se, no final de julho de 1914, não houvesse irrompido a Primeira Guerra Mundial, a catástrofe que iniciou a tradição de horror e inumanidade que é a grande característica do século XX, e que, de certo modo, ainda norteia o século XXI.
Os futuristas, naturalmente, engajaram-se entusiasticamente na guerra. Boccioni e Sant’Elia morreram em combate, bem como uma série de artistas e intelectuais, não necessariamente ligados ao Futurismo, que haviam se alistado voluntariamente.
Foram alguns dentre os milhões de mortos e mutilados pela guerra, “a única higiene do mundo”, que foi gerada pela inépcia dos políticos e diplomatas, pelo “militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas idéias pelas quais se morre e o desprezo da mulher”.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.