Como se faz um Van Eyck


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Uma receita muito simples de como se faz um Van Eyck.

É muito simples fazer um Van Eyck, basta seguir os passos descritos a seguir:
1. Prepare uma superfície adequada (uma prancha de madeira finamente polida) e aplique algumas camadas de gesso, igualmente bem polidas.
2. Transfira o desenho, aplicando pó de carvão sobre um papel com os contornos do desenho perfurados. Reforce os traços com alguma espécie de tinta nanquim.
3. Faça a imprimatura, a primeira camada de pintura, com uma cor à base de óleo. Preferencialmente contendo um pouco de vermelho ou de amarelo ocre e diluída num verniz volátil. Pode-se iniciar uma modelagem, utilizando-se trapos para retirar o excesso nas partes desejadas. É importante apenas que essa camada seja transparente e mostre o desenho que está abaixo dela.
4. Sobre a imprimatura, comece a pintura tonal: usando branco de chumbo, cubra toda a superfície, modelando os corpos e objetos de acordo com a iluminação determinada. O processo de modelagem funciona melhor se for feito em várias camadas. O resultado será algo semelhante à figura ao lado.
5. Quando estas camadas estiverem secas, aplique velaturas de cores óleo-resinosas diluídas com verniz ou óleo espessado ao sol. Essas camadas de velaturas devem ser aplicadas finamente, de modo que sejam sempre transparentes e mostrem o modelado à branco de chumbo feito anteriormente. Pode-se aplicar essas camadas com um trapo de tecido ou mesmo com as mãos.
6. Pode-se corrigir ou acentuar o contraste tonal de certas áreas da pintura aplicando um branco à base de têmpera sobre as camadas óleo-resinosas.
7. Mais uma vez, aplique quantas camadas de velaturas achar necessário, eventualmente fortalecendo as sombras com camadas transparentes e acentuando os destaques de luz com pinceladas de cores claras semitransparentes, deixando transparecer as camadas anteriores e gerando os chamados cinzas-óticos, muito importantes para o resultado final da pintura. Ticiano, por exemplo, afirmava aplicar entre 30 e 40 camadas de velatura numa mesma pintura.
8. Deixe a pintura secar por uns bons seis meses (um ano é mais adequado) e aplique uma última camada de verniz protetor.
9. E finalmente espere cerca de 200 ou 300 anos para que, caso todo o procedimento anterior tenha sido executado corretamente e você tenha um bocado de sorte, a própria modificação das cores seja favorável ao resultado final, acrescentando uma certa tonalidade quente e suave ao seu quadro.
Pronto. Seguindo esses passos simples você pode pintar facilmente seu próprio Van Eyck. Esqueci de dizer que, para obter os melhores resultados, é necessário fazer a própria tinta, utilizando os melhores pigmentos (alguns dos quais não existem mais) moídos preferencialmente à mão. E que seria muito conveniente dominar com alguma destreza o manejo de pincéis muito delicados, alguns deles com uma única cerda.
O sujeito mais habilidoso do mundo poderia fazer uma pintura tão rica quanto à de Van Eyck simplesmente aplicando os passos citados acima? Dificilmente.
Acho que a pintura relaciona-se sempre com a dimensão do tempo, em vários níveis distintos de percepção. E a força e a qualidade de uma obra residem no modo como ela comunica uma percepção de tempo diferente da nossa percepção pessoal. Posso não saber nada sobre quem foi Van Eyck ou sobre o contexto de sua obra. Mas, examinando com atenção seus trabalhos, podemos perceber a riqueza e a minúcia da execução da pintura, o modo como ela exige uma apreciação mais demorada e tranqüila, muito diferente do nosso ritmo urbano de início de século XXI.
Quando a pintura consegue me passar algo de seu tempo, sobre a maneira como outro indivíduo percebeu a passagem do tempo e soube transmitir isso através dos recursos disponíveis, então esta pintura foi bem sucedida.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.