Cinema Atemporal By Ana Al Izdihar / Share 0 Tweet Há tempos me corroem as formas-pensamento, na tortura ímpar de buscar, encontrar e talvez humildemente definir com alguma clareza o fenômeno narrativo que venho observando no cinema nacional. Não que este não tivesse já a narrativa um tanto definida e característica, porém onde um povo ainda tem sua identidade em formação, como definir suas formas narrativas em um só pilar? Seria isso possível até mesmo nas nações com a suposta identidade (aparentemente) coesa? Comentei em um outro sítio virtual, o vislumbre de uma singular forma narrativa brasileira cinematográfica para filmes de terror quando rendi minha leitura ao filme “O fim da picada” de Christian Saghaard. Mesmo ali constatei a necessidade de passar revisão em aspectos culturais que desembocam na forma narrativa em geral e mais especificamente na cinematográfica. E não posso me isentar do fato de que, além desta minha inerente e quase compulsiva mania geneticista de ir à cata da origem de tudo, minha formação acadêmica em análise de literatura e cinema e adaptações e versões que se intercambiam é primordial no que vou discorrer agora. Antes de mais nada, gostaria de deixar claro que não proponho discutir aqui aspectos religiosos, tão somente os técnicos e de entretenimento e como se dá a expressão artística da nossa realidade, como faço com qualquer outro filme. Minhas convicções pessoais não estão em debate e mesmo sabendo que a visão subjetiva e a objetiva andam juntas, volto sempre ao ponto onde a arte nos encontra. Assisti a ambos Bezerra de Menezes: o diário de um espírito de Glauber Filho e Chico Xavier de Daniel Filho e se me delineou algumas semelhanças entre eles que me fizeram chegar as seguintes conclusões prematuras: um ritmo mais lento do que de costume, mais contemplativo, com uma trilha sonora quase minimalista (a de Bezerra assinada por Ítalo Menezes e a de Chico por Egberto Gismonti) e uma edição de som que ajudam na elaboração de um clima mais introspectivo. Esse ritmo nos remete até a um tom europeizado – e não que eu ache precisemos deste tipo de rendição – somente em termos de uma referência a você, leitor. Um silêncio que fala mais alto do que os diálogos, mais forte em Bezerra do que em Chico, conduzindo os personagens ao ponto exato da proposta do enredo. Fotografia e qualidade de imagens bonitas o suficiente para passar a simplicidade dos ambientes em que estiveram os atuantes das estórias e ao mesmo tempo a grandeza e singularidade das paisagens brasileiras. Sem essa ambientação, a meu ver, não haveria a necessária identificação do espectador. Há que trazê-lo à imagem da terra em comum para que a empatia aconteça. Aliás, as cores de Bezerra retratando o árido Ceará e a penumbra espírita que envolvia o protagonista são tocantes. E o arranjo de luzes e sombras de Chico mostrando as diferentes épocas em que viveu Xavier é realmente impressionante. Alguns já esboçaram um desinteresse por Chico Xavier por este ter sido dirigido por Daniel Filho e em parte produzido pela Globo Filmes. Porém, eu considero que mesmo com este dado, o filme contém o perfil disso que estou tentando conceituar tanto quanto Bezerra de Menezes, mesmo tendo tido este último um aspecto mais cult do que o primeiro, perdoem-me o rótulo. É que não gosto de rótulos, apesar de reconhecer que alguns se fazem necessários às vezes. E acho que Chico mesmo tendo tido um tom mais pop, cumpriu bem seu papel, não ficando parecido com novela global. Ambos os filmes foram produzidos por grandes empresas nacionais de fomento, incluindo a ONG Estação da Luz e têm altíssima qualidade e perfeita e inovadora pós-produção. O conceito deste tão ainda novo do que eu ouso chamar de cinema espírita carrega em si esse ritmo vagaroso, esse tom de voz baixo avesso ao carnavalesco, mas que também é parte de nós como povo. Traz essa figuração grandiosa da Natureza que nos é própria e cabe aos assuntos espiritualizados. Esse ar bucólico e retrô além de charmoso não é somente proposital, remete ao cheiro de livros velhos que também é parte do cotidiano de outros brasileiros que vivem esta realidade expressa pelo cinema. Acha tudo um tanto romântico? Não está errado! A literatura espírita é fruto do Romantismo, o movimento artístico filosófico do século 19, onde surgiu Allan Kardec, na França. Ao buscarmos as raízes do Romantismo vemos características, como: misticismo, espiritualidade, emotividade, vida em comuna ao mesmo tempo a valorização do herói (geralmente uma pessoa solitária), volta a qualquer passado, incluindo a reencarnação e o conceito de carma. E uma total empatia com a Natureza por ver e sentir que é parte dela. Aliás, Schelling dizia: a Natureza é o Espírito visível e o Espírito é a Natureza invisível. O discurso espírita é de cheio romântico, abarcando o vocabulário sentimental, eloqüente e às vezes dramático. A ênfase nas emoções e nas descrições de ambientes paradisíacos, com personagens tanto angelicais como diabólicos, os antes chamados pares de opostos da dualidade carnal sempre presente na descrição das categorias e níveis espirituais. O realce à evolução individual de cada um (o herói solitário), mas que só reconhece sua missão dentro do seu papel e valor na comunidade. Não é de se espantar, que agora em nosso presente, o romantismo reapareça com força na literatura e no cinema abrindo espaço para reviver o gótico, o mágico, o místico, em narrativas como O senhor dos anéis, a saga de Harry Potter, Brumas de Avalon ou as aventuras dos personagens de Paulo Coelho. Por esses aspectos e motivos, o cinema espírita têm tudo para se tornar uma categoria na narrativa cinematográfica nacional, não somente por retratar parte do que somos – um povo espiritualizado, onde a doutrina espírita kardecista floresceu e encontrou solo fértil – mas também por estarmos num nível cada vez mais atualizado e tecnicamente bom e preciso, artisticamente falando. E vejo que a literatura espírita tem material abundante para roteiros que podem retratar muita beleza artística, independente das mensagens de cunho espiritualista, pois há público para ambos, e grande! Aguardo a estréia de Nosso Lar dirigido por Wagner de Assis com co-produção da Fox do Brasil. É baseado no livro espírita de mesmo nome psicografado por Chico Xavier em nome de André Luiz. O enredo é sobre as experiências de André Luiz na comunidade astral Nosso Lar. A produção promete ser impactante, romântica e com efeitos especiais muito bonitos. E a trilha sonora é de Philip Glass. Prometo voltar aqui e fazer uma resenha especial sobre Nosso Lar e relatar se também este filme carregará os aspectos do cinema espírita.