O cinema do feio


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A polêmica discussão entre o realismo versus a elevação do belo no cinema.

 

 

É estranho que eu tenha de começar esse texto já me justificando ou tomando uma atitude defensiva. Pensei muito antes de dizer o que vem aí embaixo, quase desisti, mas não consigo mais engolir certas coisas. Então, vamos fazer assim: como eu realmente nunca me proponho a definir conceitos fechados a respeito de nenhum filme, reitero que gostaria humildemente a opinião de vocês.

Ao trocar idéias – opa! Ideias desculpa! – com meu pai as coisas ficaram um pouco mais claras a respeito do meu pigarro mental com relação a uma facção do cinema internacional. Olha só, vou dizer de uma vez: é a feiúra no cinema. Pronto! Falei!

Veja bem, vocês aqui no OPS! ainda vão me conhecer melhor e vão saber que estou longe de ser uma moralista, ou direitona, ou antiquada. Não é isso não. Nem vou ficar aqui tentando filosofar a respeito da definição do que é belo. É justamente disso que quero fugir. Portanto, me acompanhem no seguinte: estabelecemos agora o que é belo e seu conceito tradicional, certo? A beleza que nos remete à estética física, a quase perfeita simetria dos traços de um rosto, a harmonia (ok, tradicional) das cores, da geometria de objetos e tudo o mais que um dia a gente aprendeu que era belo, quer tenha sido na vida ou na escola.

Passemos isso para o cinema e acrescente aí um traço a mais nessa “beleza” que seria a do enredo, ou como definiu David Bordwell – um dos maiores teoristas do cinema – o CHC ou classic hollywood cinema conceito esse que pode ser aplicado a outros países cujos filmes seguiram o mesmo perfil do americano. Pois bem. Meu pai que é um cara extremamente observador e crítico – e muitas vezes um tanto conservador sim – não suporta o cinema atual. Ele tem 74 anos e foi criado vendo filmes do Cecil B. De Mille como Os Dez Mandamentos, filmes com Cary Grant, com James Stwart. Mulheres que ele ainda adora como Grace Kelly, Audrey Hepburn, Ava Gardner e Vivian Leigh. Dentro do seu tradicionalismo meu pai já acha Marlon Brando e James Dean moderninho demais para vocês terem uma idéia – opa! Ideia, desculpa de novo. Bem, o ponto é que para ele o cinema, mais em específico, o cinema americano vendia sonhos e beleza, bons princípios, os mocinhos venciam e vilões ou morriam ou iam para a cadeia. O que me chamou a atenção foi o fato da observação do meu pai ter nomeado para mim o que me incomodava e eu não conseguia focar.

Essa “beleza” estética do cinema que parece estar tão abandonadinha em comparação com o cinema antigo foi substituída por uma ovação da feiúra tanto pelo cinema americano quanto pelo cinema internacional. E sabe o que está me incomodando nesse momento? É o fato de que talvez alguns de vocês não vão me entender. Vou ser crucificada como já fui outras vezes em outros ambientes mais formais que este por ser uma “purista” (é… no meio da “crítica especializada” existem esses rótulos…).

Vejam que nem fiz ainda uma pesquisa profunda sobre isso e mesmo que fizesse provavelmente seria difícil achar quem foi o primeiro filmmaker (adoro esse termo em inglês, pois envolve a todos “que fazem cinema”) a fazer sucesso com a feiúra, se os europeus com seu movimento realista, se os orientais, se os filmes de baixa renda que estouraram a boca. O fato é, sei lá, de uns 20 ou mais anos para cá, os vilões são bem mais festejados que os mocinhos; os protagonistas são muito feios esteticamente; as moças são mais relaxadas, um tal de feminismo fabricado que as colocariam em pé de igualdade com os homens (?!).

Não que o feio não tenha sido sucesso nos tempos antigos do cinema, mas o foco era diferente. O feio era considerado uma experiência exótica, era inclusive respeitado nesse sentido. Ultimamente, o feio é a regra e atores e atrizes belos (as) são considerados (as) irreais demais. Tanto é que alguns que são sempre colocados como “belos” se vem obrigados a encarnar um personagem enfeiado para poderem ser levados a sério! A bela e muito boa atriz Charlize Theron, por exemplo, foi mais aplaudida e ganhou Oscar por seu papel de psicopata (feita gorda, descabelada, sem maquiagem) em Monster – Desejo assassino (Jenkins, 2003) do que pela linda e trágica heroína de O Advogado do Diabo (Hackford,1997).

Os mocinhos são considerados babacas, tontos e viram joguete e motivo de chacota dos vilões e do público, já reparou? A vantagem está com os vilões! É o domínio invertido do élan de Ricardo III!

Os recursos tão bonitos da tecnologia de filmagem servem de display para enredos sórdidos em que a degradação humana é o “belo”. Veja o clip-longa Assassinos por Natureza (Stone, 1994) e o muito bom, mas (na minha opinião) tristemente sórdido Spun – Sem limites (Akerlund, 2002).

É claro que estou sendo muito reducionista aqui, mas coloco apenas como o começo de um questionamento. Mas lembremos do oposto, de alguns filmes do passado, aqueles que a gente assiste e ainda sente uma coisa boa dentro de nós, um sentimento de algo completo, encaixado quando o filme termina, como, Bonequinha de luxo, Cantando na chuva, E o vento levou…

Estou refazendo a trajetória de Jerry Lewis, o grande ator comediante que vai receber um Oscar humanitário agora em 2009 (assunto longo para depois, se quiserem), assistindo seus filmes fantásticos. Os recursos de cenário e cores que Lewis usava são de tirar o fôlego até hoje. Recomendo (re)ver seu filme chamado O terror das mulheres, como um exemplo. Ele fazia questão da impecabilidade do figurino, que fosse adequado a cada personagem, se ia ou não destoar da cor do tapete de certa sala em certa cena. Seus filmes em geral parecem doces de confeitaria: dão vontade de comer! Falo de harmonia, estética, aquele conceito mais fechado que disse no começo. E seu eterno personagem era o herói, que nem era tão lindo, mas não era feio, e não havia degradação dos humanos ali representados, mesmo sendo comédia. O inglês era, digo a linguagem, pensada, um vocabulário que soava belo, dicção clara dos atores.

O que há de tão sedutor hoje em dia na degradação do ser humano, na retalhação de corpos, em ver de perto com a câmera em foco fechado em cima de uma seringa com heroína entrando na pele do personagem? O que há de tão atraente para “nós” em assistirmos à morte lenta, a enxurrada de palavrões e balbucios incompreensíveis ou gente suja, emporcalhada? Por que a elevação do amor, o carinho, a beleza da paisagem e dos rostos, a felicidade tem sido considerados piegas, irreais? Será influência da “realidade” dos noticiários? A era do terrorismo à espreita em que arte tem de espelhar isso ou é considerada alienante e alienada?

Recentemente, um canal de TV passou O Segredo de Brokeback Mountain e me lembrei que foi um dos filmes mais belos que já vi nessa modernidade embaçada de realismo! Eu o vi no cinema em sua estréia e até então não tinha tido coragem de revê-lo, pois me marcou muito! É um filme triste e belo, doído mesmo! Se alguém aí teve a coragem de deixar o machismo de lado (mesmo as mulheres!) e assistiu a esse filme talvez concorde comigo que o esforço de Ang Lee em associar a beleza de um amor tão grande com a Natureza estonteante ao redor dos personagens supera a condição sexual dos mesmos! E que a dor dos heróis ali envolvidos é tão grande quanto o sentimento natural que tinham um pelo outro representado pela grandiosidade dessa Natureza, numa fotografia cinematográfica simplesmente perfeita. Esse filme parece ter sido um exemplo que calou fundo na alma de muitos críticos e de uma parte do público, pois ficaram ali se degladiando a respeito de sexualidade, mas poucos se atreveram a dizer algo contra o belo dos atores, do cenário, das palavras tão dignamente representados ali… E em momento algum esse filme foi alienante e muito menos alienado.

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Ana Al Izdihar