Instantâneos Sociológicos By Beauvoiriana (aka Literariamente) / Share 0 Tweet “Feminista” é quase uma palavra-tabu. Entre a maior parte dos homens, é quase um sinal vermelho: se eles dizem que uma mulher é “feminista” querem dizer que ela é um problema. Entre a maioria das mulheres, ainda é uma desqualificação. Muitas mulheres que se identificam com alguns questionamentos feministas em relação à sociedade – por exemplo, a igualdade salarial –, dizem sempre: “defendo isso, mas não sou feminista. Essas três letrinhas juntas – mas – carregam consigo uma oposição ou restrição ao feminismo, e as escutamos todos os dias. Em certa medida, até entendo: a palavra “feminista” foi tão bombardeada de conteúdo ideológico machista e conservador, é tão descaracterizada e caricaturada pela mídia, por alguns intelectuais e por grupos dominantes que se uma pessoa se assume “feminista” precisa estar preparada para colher preconceito. “Feministas não gostam de homens”, “feministas são mal-amadas”, “feministas querem tomar o lugar dos homens” e sei lá mais quantas outras bobagens dizem sobre AS feministas. Se a pessoa que se declara feminista for um homem, então, haja explicações… Feministas, homens ou mulheres, precisam quase sempre fazer uma “legítima defesa antecipada” de sua escolha diante de toda a carga negativa que a palavra carrega. São mais de dois séculos – isso, séculos! – de lutas. E ao longo desse tempo, o feminismo tem sido pintado, em primeiro lugar, como um movimento “apenas” feminino. Como se as mulheres não representassem metade da população mundial. Ao mesmo tempo, o feminismo tem sido descrito como um movimento “apenas” reivindicatório, como se as reivindicações não fossem baseadas em uma experiência concreta das condições sociais e, por isso mesmo, fruto de reflexão, de pensamento, de ação. O feminismo não é meramente um movimento reivindicatório, é um movimento político e social que se construiu com base em intensos debates sobre as condições de poder. E nesses debates, houve muito aprendizado, e uma contribuição real para as formas de refletir sobre o mundo e a igualdade de gênero, de classes, de etnias. Grande parte do preconceito em torno do feminismo e de feministas se deve particularmente ao fato de que as pessoas desconhecem que esse movimento que toma as ruas, que faz marchas de vadias mundo afora, que se organiza para ampliar a representação das mulheres em todas as esferas hierárquicas (e que, diga-se, enfrenta muitas barreiras) se baseia também em uma percepção filosófica do mundo. Essa percepção filosófica é uma porta aberta às possibilidades e à mudança. Feministas sempre têm em mente perguntas sobre o mundo tal como é e sobre como pode ser. Perguntas que podem ser expressas com um simples “e se fosse diferente e as mulheres também…?”. São inúmeras situações em que essa pergunta pode ser feita. Só para ilustrar, farei uma delas: “E se fosse diferente e as mulheres também ganhassem os mesmos salários que os homens para as mesmas funções?” Em sociedades contemporâneas em que a configuração familiar está em transformação, entre outros impactos, haveria muito mais segurança social. Isso porque hoje, em uma sociedade como a brasileira, em que 35% das famílias são chefiadas por mulheres, as condições econômicas dessas famílias seriam mais estáveis. Segundo dados de 2009 da Confederação Internacional dos Sindicatos (ICFTU, em inglês), as mulheres ganham, no Brasil, 34% menos do que os homens, em média. Esses recursos, que hoje são negados às mulheres, seriam aplicados em educação dos pais, das mães e dos filhos e no bem-estar de famílias inteiras, ou seriam poupados. Filhos mais bem educados teriam mais oportunidades. Pais e mães mais bem educados, idem. Além disso, as mulheres vivem mais do que os homens e, ganhando menos, não conseguem poupar tanto para sua velhice, quando não serão mais produtivas. Ficam empobrecidas nos anos em que mais precisam de recursos e representam gastos extras para familiares ou para o Estado. Tornam-se um peso e esse peso se converte em preconceito contra elas. Poupança, educação, bem-estar, saúde são fundamentais para que as pessoas possam enfrentar situações de insegurança como desemprego ou a morte de um de seus provedores. Se as mulheres também ganhassem X para realizar a função Y, teríamos uma sociedade mais justa, menos insegura, e mais inclusiva. Esse é só um exemplo. E o exercício da pergunta “e se as mulheres também…?” pode ser feito com qualquer situação social em que se apresenta uma desigualdade. Por isso, quando me perguntam “por que ser feminista?” sempre imagino que a resposta mais simples é: “porque representa trocar um ‘mas’ restritivo por um ‘também’ inclusivo; e o que eu quero é uma sociedade que inclua, não que restrinja.” Assim, acho que todas as pessoas que querem essa mesma sociedade podem (e até deveriam, ouso dizer) ser feministas. Quem pode ser feminista? Homens e mulheres que acreditam que todos têm direito a mais oportunidades, a realizarem seus potenciais. Isso não inclui todas as pessoas do mundo, é claro. Entretanto, inclui muito mais mulheres e homens do que aqueles que ousam assumir. Querer combater e reduzir a desigualdade não é motivo de culpa muito menos de vergonha, como às vezes algumas correntes de pensamento parecem pregar. Se cada vez mais pessoas disserem que são feministas, assumirem que apoiam as causas feministas e deixarem de se defender dessa escolha, também estarão agindo por condições mais equilibradas de vida para todos. Quando a palavra “feminista” e o feminismo deixarem de ser alvo de tanto preconceito, isso significará que estamos vivendo em um mundo mais igualitário.