Os colaboradores no novo capitalismo


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Outro dia entrei no elevador da empresa e ouvi uma funcionária, que não conheço, comentando com a outra: “Você viu que agora a empresa não nos chama mais de funcionários, só de colaboradores?” “É, virou moda.”

A conversa parou por aí, e se eu não estivesse relendo o livro (já esgotado) A Cultura do novo Capitalismo, de Richard Sennett, talvez também não atentasse para resposta que ele, pelo menos, daria à pergunta. Algo como: “Não é moda, mas o capitalismo flexível dominando o discurso empresarial.”

Richard Sennett faz no livro um belo retrato de como as mudanças no capitalismo influencia a cultura contemporânea global, analisando em especial o ambiente empresarial e a vida dos trabalhadores de hoje.

Embora ele não chegue ao detalhe da diferença entre os termos “funcionário” e “colaborador”, é possível perceber como a troca de uma palavra pela outra é condiznte com as transformações do capitalismo.

O “funcionário”, ele é subordinado à instituição, age sobre seu comando e é, na verdade, um membro da organização e muito de sua autonomia de ação é suprimida na relação com o empregador. Em certa medida, esse tipo de relação cria a dependência do funcionário, que trabalha para a empresa e evoluiu ou não com ela, desenvolvendo suas capacidades na instituição e como integrante dela. Ao dizer “funcionário”, a empresa estabelece pelo discurso uma relação em que é diretamente responsável pelo trabalhador em termos legais, trabalhistas etc. Há uma relação de compromisso mútuo e duradouro.

Já o “colaborador” está em um mesmo patamar na relação com a empresa. O colaborador não trabalha “para” mas “com” a empresa, é o que se ouve dizer comumente. O “colaborador” é um “aliado”, não um “membro da família” e, por isso mesmo, os custos de decidir integrar o “time” recai sobre ele mesmo, não sobre a instituição. Aparentemente, o colaborador é até um cidadão em vantagem, mas na prática, ele se torna o único responsável por si mesmo e pela relação de emprego.

Mesmo no caso em que os colaboradores são profissionais contratados de acordo com o regime CLT, a simples mudança no discurso implica uma forte mudança na relação entre trabalhadores e empregadores. A mensagem implícita é clara: a empresa não é responsável pelo futuro ou pelo presente do colaborador, não tem compromissos com ele. Além disso, não cabe a ela investir na aquisição de capital intelectual pelo profissional.

A mudança pode parecer pequena, mas carrega em simples palavras todas as transformações percebidas no mundo do trabalho a partir de 1990, primeiro nas grandes corporações e agora já extensível a quase todas as organizações. No capitalismo flexível – assim chamado por ser norteado pelas novas tecnologias, pelo fluxo global de capitais, pela terceirização, pela produção de produtos de acordo com ciclos com começo, meio e fim, e não como uma atividade permanente e ininterrupta, funcionários são caros e ultrapassados. Já os colaboradores são tudo o que a empresa precisa. Isso porque ao capitalismo flexível interessam profissionais que possam atender a necessidades específicas, com habilidades e competências adquiridas de modo acelerado e, principalmente, atualizado ao máximo.  Mas a empresa não quer pagar por isso. Substitui, assim, os treinamentos e atualizações de funcionários pela contratação de colaboradores por tarefa, profissionais que já cheguem prontos e com conhecimento adquirido, muito provavelmente, por seu investimento de tempo e recursos individuais em especializações, pós-graduações, cursos técnicos.  Tudo isso é também trabalho, mas a empresa já não se responsabiliza por ele.  Esse tipo de profissional aporta à instituição um tipo de capital imaterial – conhecimento, formação, relações – que em certa medida não é pago pela empresa. Também chega com outro tipo de capital, o conhecimento adquirido em suas relações fora da empresa, muitas vezes até mesmo junto a concorrentes, em universidades, em outros ambientes.

As necessidades produtivas das empresas mudam rapidamente e não há tempo hábil para esperar que o funcionário de hoje – por mais inteligente, dedicado e competente que seja – se adapte em termos de conhecimento e habilidades a essas mudanças. O colaborador já oferece isso pronto, já adquiriu as capacidades necessárias fora e, se não se mantiver atualizado, pode ser descartado com mais facilidade.

Ao substituir o termo “funcionário” pelo termo “colaborador”, a empresa sinaliza isso de forma bem clara: para se manter em seu emprego, integrar novos projetos da empresa, desenvolver sua carreira é preciso que você esteja apto a colaborar em todas as situações com a rapidez que precisamos. Aos funcionários, esses dinossauros da relação trabalhista, restam, quando muito, os cargos menos importantes e as velhas gratificações por serviços prestados.
 

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Beauvoiriana (aka Literariamente)