Corredor ecológico Rio das Velhas-Paraopeba em Nova Lima

José Eustáquio Diniz Alves
Julio Grillo

Existe uma proposta ambientalmente nova ao sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Trata-se do projeto de criação de um corredor ecológico ligando o ecosistema do Rio Paraopeba ao ecosistema do Rio da Velhas, no município de Nova Lima (MG). Por meio de uma faixa de mata em torno do Ribeirão do Mutuca é possível ligar importantes remanescentes florestais separados pelas atividades antrópicas, propiciando a livre mobilidade e o deslocamento entre as espécies animais e a permuta genética entre a fauna e a flora da região. Seria uma forma de reverter, pelo menos em parte, a perda da biodiversidade e o empobrecimento ambiental desta rica área de montanha e fonte de inúmeras nascentes dos afluentes da bacia do rio São Francisco.

O crescimento econômico e demográfico da RMBH foi muito grande nos últimos 40 anos, pois em 1970 havia cerca de 1,5 milhão de pessoas, passando para 5,4 milhões de habitantes em 2010. Belo Horizonte tinha 1,2 milhão de pessoas e Nova Lima 34 mil habitantes em 1970, sendo que, segundo o último censo do IBGE, a capital mineira passou para 2,4 milhões de habitantes (dobrou de tamanho) e Nova Lima passou para 81 mil pessoas (quase triplicou). O crescimento urbano restringiu o espaço para a vida não antropogênica. Os parques ecológicos e as áreas de preservação existentes se tornam cada vez mais ilhas naturais perdidas no meio da selva de pedra, cimento e asfalto.

Atualmente, ao sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a única conexão física entre as bacias do Rio Paraopeba e do Rio das Velhas, em um raio de aproximadamente 40 quilômetros, fica no limite entre os municípios de Brumadinho, Nova Lima e Belo Horizonte, no vale do ribeirão do Mutuca e passa embaixo do Viaduto do Mutuca, na rodovia BR-040 (que liga Brasília ao Rio de Janeiro).

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Desta forma, a mata do vale do Mutuca é a única possibilidade de conexão física entre o Parque do Rola Moça (eternizado em um famoso poema de Carlos Drumond de Andrade), as áreas preservadas das encostas da Serra da Moeda – com suas matas que se estendem em direção ao Rio Paraopeba – e as Matas da bacia do Rio das Velhas mais próximas: Tumbá, Jambreiro, Fechos, Samuel de Paula e outras.

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A jusante do Ribeirão do Mutuca há duas opções para conectar fisicamente os remanescentes destas duas bacias: uma possibilidade é passando pelos Vales do Mutuca e dos Cristais (linha verde na imagem abaixo);

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Outra possibilidade é subir a matinha do Clube Campestre e recuperar a área da Mina do Mutuca, possibilitando a conecção com a Mata do Tumbá (linha pontilhada amarela na imagem acima). Porém, as imagens atualizadas da mina do Mutuca não deixam dúvidas sobre as áreas degradadas por mineração e a dificuldade de usar este local como um Corredor Ecológico, a não ser que haja uma recuperação ambiental e renaturalização da área.

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Porém, o Governo do Estado de Minas Gerais e a Prefeitura de Nova Lima estão querendo licenciar um empreendimento imobiliário do consórcio empresarial Anglo Gold/Odebrecht, para 15.000 pessoas nos Vales do Mutuca e dos Cristais. Todavia, as autoridades governamentais não podem alegar desconhecimento da necessidade de se preservar os corredores ecológicos do Vale do Mutuca e do Vale dos Cristais. Desde julho de 2008 que o Instituto Estadual de Florestas (IEF) tem em mãos um estudo que encomendou a respeito deste assunto, chamado de “Identificação de áreas prioritárias para implantação de sistemas de áreas protegidas e corredores ecológicos no setor sul da região metropolitana de Belo Horizonte”.

Neste contexto é importante lembrar que a comunidade dos moradores do Vale do Mutuca já está consciente da importância do Corredor Ecológico do Vale do Mutuca e estão trabalhando para oficializá-lo junto ao município, estado e Federação (SNUC) através da sua Associação de Proteção Ambiental, o PROMUTUCA, entidade legalmente registrada e que atua na preservação do Vale desde 1991.

Neste momento, a única possibilidade de conexão entre as bacias do Rio Paraopeba, do Rio das Velhas e a Mata do Jambreiro é o estabelecimento e proteção do corredor ecológico, onde está justamente o local do empreendimento imobiliário da Anglo Gold e da Odebrecht,  em prédios de até 18 andares.

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Mesmo que a ligação ecológica entre as duas bacias hidrográficas, no futuro, ficasse restrito a improvável conexão pela Mina do Mutuca, haveria uma grande perda se não fosse aproveitada a possibilidade de manter a conexão física destes corredores com a Mata do Jambreiro, que é uma das maiores áreas verdes ao sul da RMBH.

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Claro que um empreendimento empresarial deste porte, nesta região, fará com que as potencialidades do corredor ecológico deixe de apresentar os efeitos desejados. Por exemplo, o sistema de tratamento sanitário, proposto pela Odebrecht e aceito pelo município e pelo estado, se propõe a fazer apenas um tratamento superficial do esgoto, jogando os efluentes nos rios. Como conseqüência deste sistema, a Odebrecht, com a anuência dos órgãos públicos municipais e estaduais, já transformou o Córrego do Gregório, que iria fornecer água 100% pura para o Bairro Vila Del Rey, em um esgoto a céu aberto.

Defender o pouco que restou do ecosistema da RMBH é, antes de tudo, um dever ético, diante da dívida ambiental acumulada com a natureza e as espécies vivas da região. Mas também é uma forma de garantir a continuidade da disponibilidade de água limpa e de qualidade para os habitantes urbanos.

A desculpa da pressão demográfica não se justifica, pois o crescimento da população da RMBH está se desacelerando e deve se estabilizar nos próximos 20 anos. Então, por que as autoridades governamentais não se sensibilizam para a proteção dos corredores ecológicos e por um desenvolvimento sustentável?

Os militantes das mais de 45 ONG´s e Associações que formam o Movimento SOS Nova Lima, em sua maioria, acham que é devido aos financiamentos privados de campanha eleitoral, que transformam os assuntos ambientais em moeda de troca com os diversos candidatos e partidos.

Contudo, os interesses egoísticos de uns poucos não podem se impor sobre o bem comum da maioria. As necessidades atuais de uma elite míope não podem comprometer a sobrevivência saudável das futuras gerações. A criação do corredor ecológico ligando as bacias do Rio Paraopeba e do Rio das Velhas é o mínimo que a população da Região Metropolitana de Belo Horizonte pode fazer pela conservação da pequena parte do ecosistema que ainda teima em se manter vivo, dando esperança de uma convivência harmoniosa entre o ser humano e as demais espécies da natureza.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e
Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal.

Julio Grillo
Engenheiro – atuante nos movimentos ambientais de Nova Lima e RMBH.
Ex-presidente da Associação PROMUTUCA.

 

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José Eustáquio Diniz Alves