Mas afinal, qual a diferença entre Terapia Cognitivo-Comportamental e Terapia Comportamental?

Uma primeira resposta desavisada: Diferente da terapia cognitivo-comportamental, a terapia comportamental não trabalha com os pensamentos do cliente. Um ponto em comum é que ambas são baseadas no behaviorismo radical. Certo? Hum… Clique logo no “Leia mais…” e descubra as novidades!

A década de cinqüenta assistiu a uma revolução na psicologia clínica quando a escola behaviorista começou a mostrar ao mundo a possibilidade de uma psicologia científica aplicada aos problemas de comportamento. O termo terapia comportamental foi cunhado por B. F. Skinner, embora o autor não fosse um psicólogo clínico. A terapia comportamental caracterizava-se, sobretudo, pela adoção das teorias da aprendizagem na aplicação a problemas clínicos.

O livro Psicoterapia por Inibição Recíproca de Joseph Wolpe em 1958 foi o gatilho para a moderna psicoterapia baseada em evidências. Ano após ano as publicações traziam ao conhecimento dos psicólogos tratamentos pormenorizadamente descritos e testados, validados por evidências empíricas e reproduzidos em estudos posteriores. As ciências evoluíam e a psicologia começava sua era de ouro. As abordagens experimentais para as psicopatologias se expandiram rapidamente e a análise experimental dos processos que caracterizavam e mantinham as desordens mentais se tornou uma área de pesquisa muito bem estabelecida.

A terapia comportamental em um primeiro momento (décadas de 60 à 70) trazia grande parte de seu escopo voltado para a aplicação quase que exclusiva de técnicas. Nos transtornos ansiosos empregavam-se o treinamento de habilidades sociais, dessensibilização sistemática, exposição com prevenção de respostas, relaxamento progressivo, parada de pensamento, dentre outras ( ver texto 1 Paulo). Na depressão a agenda dos eventos prazerosos era o método de excelência. Infelizmente, embora o sucesso dessas técnicas tivesse provado ser adequado e suficiente no tratamento de muitos problemas de comportamento, pouca atenção foi dada em um primeiro momento ao papel da linguagem na terapia com clientes adultos verbalmente habilidosos. Dizer de outra forma, a influência da linguagem e do pensamento (ou linguagem encoberta) nos problemas de comportamento humanos era um território ainda muito pouco explorado pelas pesquisas clínicas. Felizmente na década de oitenta em diante o estudo posterior aprofundado do comportamento verbal tornaria possível à moderna terapia comportamental avançar ainda mais.

No início da década de setenta iniciou-se a revolução cognitiva na psicologia com o movimento de contestação da escola behaviorista vigente. A clínica teve então seu campo gradativamente dominado pelo iniciante e promissor modelo cognitivo-comportamental. A abordagem mais proeminente das terapias cognitivo-comportamentais foi a do psiquiatra americano Aaron Beck.

A terapia de Beck foi inicialmente intitulada pelo autor da Terapia Cognitiva para Depressão por ter aplicação restrita a essa temática, passando a conceituação e as técnicas cognitivas a serem aplicadas anos depois em outras patologias psiquiátricas. O modelo de Beck afirmava que os indivíduos depressivos desenvolveriam crenças na tenra infância que os predisporiam a interpretações negativas dos eventos vivenciados cotidianamente. As interpretações negativas distorcidas, por seu turno, levariam a pessoa a se engajar em comportamentos anormais. Portanto, no caso da depressão, os sintomas depressivos seriam função das interpretações distorcidas dos eventos cotidianos. Segue abaixo um possível recorte, para fins didáticos, de uma crença distorcida de um indivíduo depressivo e seus sintomas:

Pensamento distorcido ou crença
(Determinante ou evento causal)
Comportamento aberto ou sintoma

(Determinado ou evento causado)

"Ninguém gosta de mim pois não apresento nada de interessante aos olhos das pessoas" Deixa de ir ao cinema;

Esquiva de eventos sociais;

Tristeza; choro, irritação

 

No início de sua história os cognitivistas criticaram o modelo clínico comportamental por esse não dar a devida importância ao papel dos pensamentos no desenvolvimento das patologias mentais. Honestamente, creio que tinham razão de fazê-lo nas décadas passadas (60 e 70!). Importante ressaltar, contudo, que embora Skinner já tivesse abordado pormenorizadamente a linguagem, existia ainda uma grande descompasso entre o a produção do conhecimento e sua aplicação na terapia.

Skinner escreveu sua maior obra abordando o tema em 1954, mas infelizmente, o legado permaneceu “engavetado” por anos sem ganhar a merecida atenção da comunidade analítico-comportamental. A terapia comportamental perdeu com isso durante algum tempo. O livro Comportamento Verbal foi uma extenção dos princípios da seleção pelas conseqüências baseados nas descobertas de laboratório (ver texto 1 Robson). O modelo trazia explicações contextuais e funcionalistas para comportamentos próprios do ser humano, como a fala, a escrita, os pensamentos e os gestos. Explicações contextuais da linguagem estão particularmente preocupadas não tanto com oconteúdo do que é dito ou pensado (lembra da distorção de pensamento de Beck?) e sim com sua função, ou seja, quais particularidades do ambiente influenciam determinado pensamento ou fala.

Logo também os analistas do comportamento criticaram o modelo cognitivo-comportamental sob a alegação de que o contexto em que ocorriam os pensamentos havia sido posto de lado. Somado a isso as explicações da história do desenvolvimento dos pensamentos ao longo da vida do indivíduo pareciam também ter sido deixadas em um segundo plano. E era isso que insistiam os behavioristas embasados posteriormente pelo Comportamento Verbal. A mesma ilustração acima sobre um cliente depressivo hipotético ficaria dimensionada no paradigma contextual skinneriano da seguinte forma:

Evento antecedente Comportamento aberto e pensamento (ou comportamento encoberto) Evento conseqüente
Convite para sair dos amigos preocupados Declina o convite;

"Ninguém gosta de mim pois não apresento nada de interessante aos olhos das pessoas"

Não sai de casa;

Consegue atenção dos familiares;

Tristeza, choro, irritação

Repare na ilustração que o ambiente influencia diretamente a determinação dos pensamentos. Esse modelo foi chamado de tríplice contingência por trazer para a análise os eventos antecedentes e conseqüentes aos comportamentos, sejam eles não-verbais ou verbais, como é o caso dos pensamentos. Algumas possíveis perguntas contextuais que norteariam uma avaliação funcional de tríplice contingência: Onde esses pensamentos distorcidos ocorrem? Quem está presente? O que você está fazendo? Quais são as conseqüências a curto prazo que o mantêm? E a médio e longo prazo? Onde não ocorrem? Enfim, uma análise como a feita acima poderia responder a algumas dessa perguntas. Para outras precisaríamos ampliar seu número (selecionei apenas um ligeiro recorte clínico nas ilustrações).

Em síntese, Skinner sinalizou que a depender do contexto teríamos diferentes pensamentos com diferentes funções. Para a terapia comportamental os pensamentos não podem ser a causa dos comportamentos e sim parte daquilo que precisa ser explicado. Eles são contextuais e por isso, à semelhança dos comportamentos não-verbais, são função de suas conseqüências. No paradigma cognitivo estaríamos pegando então como causa aquilo que já é conseqüência. Alternativamente, no paradigma contextual analítico-comportamental caberia antes perguntar: Se uma cliente muda seus comportamentos não-verbais e com isso vivencia novas conseqüências, consigo mudar também seus pensamentos? Os resultados das pesquisas têm favorecido essa hipótese por mostrar evidências das intervenções baseadas nesse entendimento.

Bom, a parte causal cognitiva está explicada. Mas cadê a parte comportamental da díade cognitivo-comportamental? A parte comportamental na intervenção clínica se resume na aplicação daquelas mesmas técnicas que debati em outro texto (ver texto 1 Paulo). Terapeutas cognitivo-comportamentais não estão interessados em fazer análises funcionais por partirem do entendimento diferencial comentado. Perfeitamente compreensível e adequado com as teorias cognitivas, embora questionáveis sob o nosso ponto de vista. No entendimento contextual, dadas técnicas fazem parte de um escopo maior de conhecimentos relacionados aos princípios de aprendizagem comportamentais, e por isso mesmo podem não funcionar se não forem respeitadas as análises funcionais do caso clínico em questão.

Esbocei aqui algumas diferenças filosóficas e metodológicas mas é fato que gosto e respeito muito a tradição empírica da terapia cognitivo-comportamental. No Brasil a maior associação de terapeutas reúne psicólogos cognitivistas e analistas do comportamento em encontros anuais e em publicações nacionalmente reconhecidas. Ela chama-se Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC). Mas falarei sobre ela em outra oportunidade.

Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba (IACC)

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Paulo Abreu