Suicídio: um fato escondido na vida de muitos


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O tema dessa semana não é nada agradável, mas ainda assim importante de ser abordado. Com esse texto pretendo inaugurar uma fase em que vou relatar com um pouco mais de detalhes as aplicações da análise comportamental clínica. Falarei sobre a depressão, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno do pânico, problemas de casais, trabalhos com a psiquiatria, dentre outros. Mas sem mais delongas, vamos ao suicídio!

Uma das maiores dificuldades que os terapeutas encontram na clínica talvez seja ter de lidar com os clientes que apresentam risco de suicídio. Muitas pesquisas em psicologia e psiquiatria têm sido devotadas no intuito de desenvolver protocolos de intervenções para prevenção do suicídio. Observa-se incidência maior de comportamento suicida em pessoas diagnosticadas com depressão, com abuso/dependência de substâncias e ainda com o diagnóstico de esquizofrenia ou transtorno de personalidade borderline. Mas é fato que essas ditas patologias psiquiátricas não são uma condição excludente de outras situações conhecidas de todos que poderiam facilmente levar ao desespero. Uma perda repentina de alguém querido, dificuldades financeiras tão familiares a nós que vivemos em um país com tantas desigualdades, uma escassez de objetivos e metas, ou até mesmo as preocupações com alguma doença incapacitante, são motivos bastante contundentes. Nosso julgamento de vida e de morte não é uma particularidade de alguma doença mental, embora seja observada maior incidência de suicídio em amostras clínicas. Por esse motivo não é possível dizer que o sofrimento insuportável é uma realidade somente de uma seleta clientela que freqüenta o consultório de um psicólogo ou psiquiatra. Infelizmente o suicídio é fato escondido na vida de muitos.

O comportamento suicida é provavelmente a resposta máxima que uma pessoa em profundo sofrimento pode tomar. A dor insuperável tem muitas vezes a propriedade de levar qualquer um a tomar uma decisão dramática em direção à "resolução" de um problema insolúvel. Em nenhuma outra espécie observamos o suicídio, sendo esse um comportamento tipicamente humano. Estudou-se por muito tempo o comportamento de uma espécie de roedor, encontrado nas tundras norueguesas, que se suspeitava cometer suicídio em massa. Os simpáticos lemmings (ver vídeo no YouTube) começam uma longa migração conjunta em épocas de grande população e escassez de comida. Na corrida em busca de novas “pastagens”, o bando saí em disparada. O fato é que frequentemente eles se deparam com algum cânion norueguês, onde os primeiros da fila são literalmente atropelados pelos que vêm atrás. O resultado disso tudo: muitos lemmings são atirados ao mar e muitas interpretações humanas são equivocadamente lançadas em terra! Acredite, os lemmings que caem no mar nadam desesperadamente em busca da segurança na costa. Mas as pessoas em dor profunda tendem a repetir e repetir suas tentativas de suicídio caso essas não venham a funcionar.

Os índices preocupam: Aproximadamente 10% da população em algum momento da vida irá tentar o suicídio. Uma fração de 20% irá lutar contra pensamentos suicidas (ideações suicidas) e terá um plano de como dar seguimento ao ato. Outras 20%, ainda, será acometida por pensamentos suicidas, mas sem planos estruturados. Assim, metade da população irá vivenciar essa possibilidade em algum nível. Importante frisar que as tentativas de suicídio também trazem muito sofrimento para família, essa muitas vezes não contabilizada nas estatísticas oficiais.

No Brasil o suicídio até poucos anos atrás não obteve a devida atenção governamental por estar muito atrás de outros índices de óbito, como os índices de homicídio e de acidentes de trânsito (numa proporção de 7 para 1). O coeficiente nacional de mortalidade por suicídio é em média de 4,5 por 100.000 habitantes, uma taxa relativamente baixa dentro de uma escala mundial , embora existam cifras regionais que se aproximam ou superam os índices da Escandinávia e do Leste europeu (nos EUA a média de 12,6 por 100.000 hab). Esse é o caso de jovens em grandes cidades, grupos indígenas das regiões do centro-oeste e do norte, bem como o de lavradores no interior do Rio Grande do Sul . No final do ano de 2005 o Ministério da Saúde começou a desenvolver um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, tendo como objetivos o desenvolvimento de estratégias para a prevenção de danos, a sensibilização da sociedade na prevenção, a adoção e execução de projetos orientados em estudos de eficácia e, também, a promoção da educação dos profissionais da rede pública. Essa iniciativa é inédita e por isso deverá fomentar a produção de pesquisas que dêem suporte ao novo desafio na saúde pública.

A análise do comportamento, preocupada com a predição e controle do comportamento, concebe os eventos relacionados ao suicídio como comportamento em sua interação com o ambiente, e como tal, vê nos determinantes do próprio comportamento a possibilidade de sua predição e prevenção. Mas para entender o porquê das pessoas tentarem o suicídio precisamos antes de tudo estudar um tipo de comportamento característico de nossa espécie – o comportamento verbal.

Um entendimento analítico-comportamental apresenta o suicídio como sendo um propósito que não poderia ter sido diretamente experenciado, mas verbalmente induzido. O suicídio é um comportamento que é emitido frente a algumas auto-regras pessoais em que a pessoa formularia a conseqüência para a sua morte. Os eventos verbais teriam suas funções definidas pela sua relação com outros eventos verbais.

A sentença ‘se eu morresse, então não teria sofrimento’ é uma aparente explicação de causalidade. É uma regra pessoal que descreve uma conseqüência caso a pessoa venha a morrer. E uma regra pode ser seguida. Se o pensamento relacionado ao ‘não sofrimento’ adquire funções positivas, então para a pessoa em considerável sofrimento psicológico, a fórmula ‘se eu morresse, então não teria sofrimento’ irá transferir as funções positivas para a morte como uma conseqüência construída verbalmente. Dizer de outra forma, nunca ninguém passou pela morte para saber se de fato cessará o sofrimento, contudo, aprendemos socialmente que a morte nos levará a um melhor status emocional. As religiões são bastante enfáticas nesse ponto. Vida após a morte, reencarnação, reencontro com pessoas queridas já falecidas, dentre outras circunstâncias, são o alento culturalmente ensinado para as nossas amarguras existências. Aprendemos desde cedo essas lições e elas nos são bastante úteis nos momentos extremos.

Identificar o risco de suicídio na terapia é ainda um grande desafio lançado à ciência. Muitos estudos correlacionais associam alguns fatores de risco que em tese aumentariam as chances potenciais. Alguns deles já foram citados aqui, a exemplo do diagnóstico de depressão ou algumas circunstâncias vitais, como a perda de alguém próximo. Mas mesmo esses fatores associados, ainda informam muito pouco sobre a real probabilidade. Para isso uma abordagem centrada na história do cliente pode oferecer melhores possibilidades.

A preocupação contextual na clínica pontua que se o cliente puder identificar as situações “gatilho” e os contextos para os comportamentos suicidas, então o terapeuta pode auxiliá-lo a planejar a como evitar tais circunstâncias. De outro modo, se as conseqüências da emissão desses comportamentos forem positivamente reforçadoras, a exemplo do relato de uma tentativa de suicídio consequenciada pela atenção dos familiares e amigos, então o terapeuta pode desenvolver no cliente comportamentos alternativos que venham a ter conseqüências melhores do que as que se seguem após as tentativas, a exemplo de estratégias de resolução de problemas. Interessante frisar que as análises funcionais dessa natureza precisam necessariamente atentar para a história comportamental do cliente. Não tenho como saber por que meu cliente age da forma como o faz, quando pensa em suicídio, se eu não entender como se deu a história de formação desses pensamentos (leia-se história de reforçamento). A investigação do cliente como ser único é um fator sine qua non para o sucesso do trabalho.

A avaliação clínica nessas situações requer um ótimo vínculo terapêutico visto o grau de desesperança que a história de vida do cliente impõe. No Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba (IACC), do qual faço parte, seguimos protocolos de triagem bastante rígidos para o atendimento cuidadoso dos clientes com risco de suicídio. Temos tido trocas muito ricas com algumas clínicas americanas que trabalham com uma proposta terapêutica chamada Terapia Comportamental Dialética (falarei sobre ela em outra oportunidade). Em algumas delas, os clientes chegam a ser escolhidos para entrarem ou não nos programas. Fato curioso, se não fosse levada em consideração a seriedade que a questão impõe.

A despeito do enorme desafio que ainda se encontra pela frente, a investigação pormenorizada do comportamento suicida merece atenção singular e se mostra como urgente em todas as questões que envolvem a clínica analítico-comportamental.

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Paulo Abreu