O corpo e o sangue de Cristo – A alimentação no tempo de Jesus

Os relatos bíblicos quase sempre nos colocam à mesa com Jesus e seus apóstolos. Há, inclusive, toda uma sacramentalização das refeições. A principal referência para essa veneração cristã pela reunião das pessoas em uma mesa, em torno de uma ceia (como o que acontece anualmente no Natal), tem como principal imagem a clássica pintura de Leonardo Da Vinci que retrata o encontro final de Cristo com os apóstolos.

A divisão do pão e do vinho celebrizou-se mundialmente como o momento divino em que os homens reúnem-se para comemorar a amizade, selar os laços que os aproximam, confraternizar e partilhar idéias. A partir de então a mesa, modesta ou farta, especialmente em países de grande tradição católica como o Brasil ou a Itália, passou a representar justamente o momento em que as pessoas comungam tendo a partilha do “pão” e do “vinho” como símbolos máximos dessa proximidade de princípios que os reúne como irmãos.

E por que o “Pão” e o “Vinho” ganharam tanto destaque nessa mesa cristã? Quais outros alimentos e bebidas compunham a dieta dos hebreus no tempo de Jesus? Como eram as preparações culinárias daqueles tempos remotos?

Inicialmente é importante destacar que o Pão e o Vinho são representantes simbólicos de toda a produção e trabalho humano relacionado aos alimentos. Foram escolhidos por motivos diversos, entre os quais poderíamos destacar:

a) A proeminência do trigo na região da Ásia Menor, Norte da África e Europa Mediterrânea como a principal base alimentar.

b) A popularização das técnicas de produção do pão entre os habitantes daquela época.

O pão e o vinho, o azeite e o sal e o leite e as carnes de ovinos e caprinos compunham a dieta básica dos hebreus. A proeminência do pão e do vinho associa-se a religiosidade e a associação desses alimentos com Deus.

c) A durabilidade do trigo, cereal mais utilizado para a produção desses pães, que o habilitava a estar presente nos farnéis de viagem dos viajantes que atravessavam as trilhas que separavam as vilas e cidades de então.

d) A durabilidade e o sabor inebriante e sedutor do vinho.

e) A associação do vinho e do pão a religiosidade também aconteceu pelo fato de ambos sintetizarem a idéia de elaboração, produção e realização humana que distanciava esses alimentos daqueles que eram consumidos pelos animais.

No entanto o cardápio dos hebreus não se restringia somente a esses itens sacralizados. Incluía também frutas como o figo, a romã, as tâmaras, a maçã e a própria uva; contava com carnes, especialmente de ovinos e caprinos (carneiros, ovelhas, cabras e bodes); reforçava-se com o leite retirado dos animais pastoreados naquela região, especialmente das cabras; temperava-se principalmente a partir das azeitonas e do azeite de oliva; e sustentava-se nos cereais como a cevada, a aveia, o centeio e o onipresente trigo.

As hortas também eram comuns entre os hebreus. Delas se retiravam legumes de uso freqüente nas produções culinárias da época, como a fava, as lentilhas, as cebolas, o alho-poró e a abóbora. É relevante lembrar que alguns alimentos eram obtidos a partir da coleta que se realizava nas florestas de regiões próximas aos núcleos urbanos de então e que, dessas incursões em busca de comida surgiam iguarias deliciosas como as amêndoas, as avelãs, mandrágoras e pistaches.

A criação de ovinos e caprinos, associada ao consumo de carnes obtidas a partir da caça e da pesca, compunha as bases alimentares de proteína dos hebreus.

Certos alimentos eram utilizados para várias preparações. Esse é, por exemplo, o caso das uvas. Além do vinho, essas frutas também davam origem a bebidas não alcoólicas, ou seja a sucos, e a secagem das mesmas originava as uvas secas (ou passas), muito populares naquela época. Se não bastasse isso ainda podiam ser utilizadas para a produção de pães especiais, geléias ou doces.

O consumo de carne, um dos mais constantes e importantes itens das ceias de natal da atualidade, era mais discreto. Assim como os peixes, alimentos mais comuns em cidades litorâneas ou próximas aos grandes rios, a utilização dos mesmos em refeições restringia-se as festas e as celebrações religiosas.

Era permitido aos hebreus comer peixes providos de escamas e nadadeiras, aves e pássaros declarados puros de acordo com a lei daquele povo e até mesmo gafanhotos. As referidas leis procuravam distinguir os animais e estabelecer entre eles aqueles que eram puros daqueles que eram imundos ou infectos (não relacionando, é claro, essa idéia aos conceitos de higiene oriundos da ciência contemporânea).

Diga-se de passagem que qualquer animal abatido pelos homens do tempo de Cristo e dos apóstolos só poderia ser consumido se fossem seguidas certas regras ou rituais. Nesse sentido era obrigatório que esses animais fossem degolados e sangrados previamente para que seu sangue não fosse ingerido por humanos. A utilização de animais que fossem encontrados mortos ou que tivessem sido abatidos de outra maneira impedia seu consumo pelos hebreus.

Ovos não eram comuns na Ásia Menor. Não havia galinheiros e, por conta disso, a obtenção dos mesmos dependia da sorte. O povo teria que achar ovos em ninhos para poder então fazer uso dos mesmos em suas refeições. Por outro lado, a utilização do mel era muito comum e regular. Tratava-se no caso, do adoçante de uso geral, obtido a partir de buscas em bosques, árvores ou rochedos (mel selvagem) ou então se utilizava o mel vegetal, produzido a partir de frutas e plantas.

A reunião à mesa é tradição herdada dos tempos de Jesus Cristo e relaciona-se a idéia de confraternização, amizade, apreço, consideração e amor aos que se encontram presentes na refeição.

Além do azeite, presença regularíssima nas produções culinárias da época, as cozinheiras da época também utilizavam como condimentos o cominho, a alcaparra, diferentes espécies de pimentas e o coriandro. A todos esses temperos adicionava-se ainda o sal. Ressalte-se ainda que o sal era também considerado sagrado e relacionava-se a religiosidade, fazendo parte de sacrifícios sendo reiteradas vezes mencionado na Bíblia.

Entre as bebidas o principal destaque é para o vinho. Considerado como o símbolo do mistério da vida, da proximidade entre os homens e Deus, da alegria e também do amor, o vinho era usado em celebrações solenes, religiosas, festas particulares e também estava presente nas mesas cotidianas. Seu valor era tão grande que era até mesmo utilizado como medicamento. Apesar das restrições dos hebreus aos excessos com a bebida que viessem a provocar o embebedamento, o que se condenava não era a bebida, mas sim o comportamento indevido das pessoas.

Além do todo-poderoso vinho, os hebreus consumiam leite, água e variações menos alcoólicas do vinho ou ainda o suco dessa fruta. Também eram comuns nas mesas daquele povo e naquela época a presença dos licores (shekhar). As mais comuns variedades de licores associavam-se as frutas típicas encontradas nos mercados locais, como as tâmaras, os figos, as romãs ou ainda a produção de licores de mel. Não há registros de produção de cervejas à base de trigo ou cevada entre os hebreus.

As refeições eram tradicionalmente duas ao longo do dia. A primeira acontecia ao meio do dia e a outra no período da noite. Esses encontros se davam ao redor de mesas e cadeiras baixas, posteriormente substituídas pelo uso de divãs. Ao consumir carnes os hebreus a acompanhavam de molhos e a pegavam com pães. O uso das mãos era a prática usual, não se utilizavam talheres. Não era apropriado pelos costumes locais que essas refeições se prolongassem além do necessário e ao final desses encontros era aconselhável que se agradecesse a Deus pela graça do alimento que os ali presentes haviam degustado.

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João Luís de Almeida Machado