Sabores do Vale do Paraíba


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Não há como negar que toda a história de entrelaçamento étnico que ocasionou a formação do povo brasileiro e, conseqüentemente também dos paulistas e dos valeparaibanos, repercutiu enormemente na cozinha. As contribuições advieram a partir da relação estreita que possuíam, por exemplo, os índios com o milho, o cará, a mandioca, a batata-doce, os animais típicos de nossa fauna ou ainda os variados peixes encontrados em nossas bacias hidrográficas. Temperos e variedades de carnes, verduras e frutas vieram do além-mar, cruzando o Atlântico e fazendo presentes os sabores provenientes do continente africano e das ricas tradições ibéricas, especialmente a de nossos colonizadores portugueses.

As cozinhas de fogão à lenha que se estabeleciam nas propriedades que principiaram a colonização do Vale do Paraíba puderam então acomodar o surgimento de delícias regionais como o bolão de fubá, a vaca atolada, a canjiquinha, o afogado, a farofa de içá, o pinhão cozido, o curau, o bolinho de chuva e tantos outros pratos típicos.

A composição das tradições gastronômicas valeparaibanas além de contar com os temperos surgidos das influências étnicas é também derivativa dos recursos naturais encontrados na região. As origens humildes dos primeiros povoados e o descaso dos portugueses em relação ao sul do Brasil durante os primeiros séculos da colonização acabaram obrigando os habitantes dessas localidades a criar suas alternativas alimentares com base em produtos típicos da natureza local ou trocados dentro dos limites de um comércio limitado entre as regiões produtoras que surgiam como abastecedouros de outras regiões mais prósperas do país.

Os bandeirantes criaram as rotas, escravizaram os índios, estabeleceram povoados e de suas andanças registraram alimentos e firmaram hábitos de consumo por todo o Brasil, inclusive no Vale do Paraíba.

Um exemplo típico dessa capacidade de adaptação local dos primeiros habitantes do Vale do Paraíba é a Jacuba, uma papa a base de farinha de milho e café de rapadura. Dependendo das circunstâncias, como nos primeiros tempos em que os tropeiros e primeiros colonos se estabeleciam na região, quando a carência e a pobreza eram grandes, a ausência do café era suprimida com a utilização apenas da água adocicada. A inexistência da farinha de milho por sua vez também não representava obstáculo para a produção dessa papa entre os valeparaibanos, em muitas situações esse ingrediente acabava sendo substituído pela farinha de mandioca, muito mais barata e abundante em nossas terras.

Entre as alternativas valeparaibanas regularmente utilizadas no passado estão aquelas relacionadas ao que era oferecido aos habitantes da região pelo próprio rio que dá nome a localidade. O rio Paraíba nos séculos XVI, XVII e XVIII providenciava peixes e jacarés que enriqueciam a mesa dos moradores das vilas recém estabelecidas. Carentes de carne, que dificilmente chegava nos primeiros séculos e que, quando aparecia era muito cara para a população empobrecida que aqui vivia, a alternativa de consumo de peixes era muito interessante.

A cafeicultura foi decisiva para a implementação de uma nova história para o Vale do Paraíba ao enriquecer a região e propiciar o seu desenvolvimento econômico e consequentemente cultural tendo, inclusive, orientado novos hábitos e práticas alimentares.

A utilização de verduras e hortaliças na alimentação local se deu apenas a partir do surgimento regular de produtores e mercados nas cidades do Vale. A consolidação de atividades mercantis remonta a segunda metade do século XIX, justamente quando o café atingia o status de “carro-chefe” da economia nacional e impulsionava o progresso no estado de São Paulo e, principalmente no Vale do Paraíba.

Até esse momento a alimentação ainda se mantinha basicamente orientada pelos direcionadores dados pelos bandeirantes, tropeiros, pescadores e roceiros dos séculos anteriores. Isso nos leva a constatação de que as receitas mais antigas e tradicionais utilizavam especialmente os frutos da terra, derivavam de forma inconteste da influência étnica dos portugueses, dos índios e, em menor escala, dos africanos e que, os pratos típicos utilizavam alguns ingredientes de forma recorrente, caso das farinhas de mandioca e de milho.

Um rápido exame das principais receitas tradicionais pesquisadas por historiadores e gastrônomos interessados em recuperar a memória da alimentação valeparaibana nos mostra que as mencionadas farinhas (de mandioca e milho) tinham como companhias freqüentes em vários pratos locais os seguintes ingredientes:- feijão, couve, carne de porco, cebolas, azeite, sal, pimenta, folhas de louro, ovos, alho, abóbora, carne seca, banana, palmitos, milho verde e a própria mandioca.

A farinha de mandioca, o feijão, a carne seca e o sal constituem os elementos básicos da dieta original de tropeiros e bandeirantes e, por isso mesmo, mantiveram-se nos cardápios valeparaibanos até os dias de hoje com grande destaque.

Alguns desses ingredientes como o feijão, as farinhas, a carne seca e o sal eram componentes básicos nos farnéis carregados pelos bandeirantes e dos tropeiros que circulavam pela região. Câmara Cascudo menciona que o fato desses alimentos serem resistentes a longas jornadas é que os fazia perenes nos mantimentos desses viajantes. Além disso, era comum que as rotas percorridas pelos desbravadores do Brasil que saiam de São Paulo fossem semeadas com feijão, mandioca e milho para que o abastecimento regular pudesse acontecer nos períodos de retorno, quando os alimentos já estavam escassos nos farnéis.

Bananas, milho, mandioca, couve e palmitos constituem alimentos que já existiam na terra ou que aqui foram implantados logo no início da colonização (a banana e a couve) e que acabaram se tornando basilares na alimentação dos colonos. A mandioca, os palmitos e o próprio milho eram os elementos essenciais da dieta dos indígenas, que também consumiam as pimentas com grande freqüência.

As receitas que chegaram aos dias de hoje se mantiveram ao longo dos tempos a partir de uma tradição oral e da inserção de novos membros da família nos segredos da cozinha.

A não alfabetização da grandiosa maioria da população brasileira até o século XX tornava complicada a tradução para o mundo das letras daquelas saborosas e originais receitas.

As coisas começaram a mudar a partir do advento da cultura cafeeira no século XIX em São Paulo quando as famílias enriquecidas pelos lucros do café patrocinaram os estudos de seus filhos. Enquanto os homens iam estudar na Europa, especialmente na França, as mulheres eram educadas em casa e eram elas que garantiam o funcionamento da cozinha.

A alfabetização progressiva ocorrida entre as famílias mais abastadas desse Vale do Paraíba da metade do século XIX é que proporciona o surgimento das primeiras anotações e cadernos contendo as receitas.

A forma como as cozinhas eram estruturadas também variou bastante com o passar do tempo. Se no princípio a produção de alimentos exigia apenas um improvisado fogo de chão, herdado do fogão de tucuruva dos índios e aperfeiçoado para as trempes dos bandeirantes, a chegada dos novos tempos patrocinados pela riqueza proveniente do café fez as cozinhas valeparaibanas se tornarem mais incrementadas em termos de recursos.

A construção de fogões de lenha, a compra de uma maior e melhor variedade de panelas, a utilização de instrumentos de corte mais apropriados, o uso de talheres, a conservação dos alimentos em banha ou pelo processo de defumação e salgamento e outras técnicas e instrumentais que passaram a ser utilizados demonstram como São Paulo e o Vale do Paraíba estavam sendo integrados às rotas de comércio e despontavam como zona próspera e interessante para os mascates e lojistas que se estabeleciam por aqui.

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João Luís de Almeida Machado