Segunda-Feira Ao Sol – A História do Ponto de Vista dos Vencidos.

Existem filmes que precisam ser revistos de tempos em tempos. Eles não se esgotam e nos melhores casos vão ficando mais interessantes, nosso olhar também vai ficando um pouco mais aguçado, vamos reparando em cada vez mais detalhes, nos trejeitos, nos diálogos, na ironia, no humor, na tristeza um pouco inerente ao ser humano. Ou talvez uma espécie de melancolia por saber que as possibilidades da tal felicidade estão bem longe de serem realizadas em meio ao nosso mundo prejudicado.

 O filme em questão, revisto num vagaroso domingo à noite, foi escrito e dirigido pelo espanhol Fernando León de Aranoa, com o título (belo, por sinal) Segunda-Feira ao Sol. É um filme de 2002 e aposto que muitos que passarem por aqui já terá visto e talvez revisto o filme.
 
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Segunda-Feira ao Sol poderia ser apenas um drama sobre o capitalismo que com seu progresso desenfreado engendra, entre outras grandes desgraças, o desemprego. Mas não. Temos aqui um diretor que não está engessado e sabe lidar com as sutilezas da existência, com as imagens escrevendo sensações, lidando principalmente com o tempo. O tempo. Para quem não tem o que fazer como os operários desempregados de Segunda-Feira ao Sol, o tempo é apenas um número no relógio, uma marca no calendário, algo extremamente inútil. Passam os dias bebendo, brigam com suas mulheres por questões financeiras, esperam o telefonema que nunca vem. Ficam sob o sol com uma espécie de tranqüilidade contraditória. Eles têm tempo, mas está longe de ser um tempo qualitativo.
 
Dentro dessa contradição é que o filme consegue como poucos demonstrar uma complexa melancolia incrustada dentro de cada fotograma, com um humor por vezes irônico, por vezes lacônico. Ali existem dramas terríveis que levam ao suicídio e passagens hilariantes como quando Santa (o incrível personagem de Javier Bardem, para mim, sem dúvida, o melhor papel de sua carreira) arruma um bico como babá. Ao colocar a criança para dormir começa a lhe contar uma história: a fábula da cigarra e da formiga. Ao perceber o teor da história (todos já devem tê-la ouvido na infância) vê ali a síntese do que é o mundo capitalista, onde há especulação, não há fraternidade, e quem não se entrega ao mundo embrutecido do trabalho pode morrer de frio no inverno. Diz ao garoto que aquela história é tudo uma mentira, “a formiga é uma especuladora filha da puta”, e que aquele livro não explica o porquê alguns nascem formiga e outras nascem cigarra.
 
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Enfim, acho que o mérito do filme é justamente ser um filme humano (palavra às vezes tão banalizada), coisa muito rara hoje em dia. Os personagens de Segunda-Feira ao Sol são sim perdedores e por isso estão tão próximos de cada um de nós. Na tristeza, nas grandes alegrias momentâneas, no fundo eles sabem que possuem um ao outro. É na amizade que eles buscam um pouco de redenção. A História precisa urgentemente ser contada a partir do ponto de vista dos vencidos, dos que foram simplesmente varridos à revelia, do contrário será uma história cheia de mentiras e alegrias falsificadas. Eis o que faz com maestria Fernando León de Aranoa, e eis o que torna esse filme essencial.
 
  
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Diogo Brunner