A Nouvelle Vague revisitada.


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Difícil falar sobre um movimento que alterou as rotas do cinema mundial. Difícil falar sobre autores que constituíram uma parte da minha formação. A questão é que o documentário de Emannuel Laurent Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague: Acossados e Incompreendidos – faz isso com grande eficácia ao rememorar, mesmo com certa dose excessiva de didatismo, esses dois autores e sua centralidade nesse movimento. E mais: revisita e dá um grande espaço, que nem todos dão à Jean-Pierre Léaud, “o filho da Nouvelle Vague”.

 godard truffaut
 
Emannuel Laurent documenta desde o início o fenômeno Nouvelle Vague, mostrando como a relação entre Truffaut e Godard perpassava a simples amizade iniciada em torno da revista Cahiers du Cinéma, onde ambos escreviam críticas desde os 20 anos. Foi através da crítica que os dois passaram a pensar a própria prática cinematográfica, onde começaram a pensar na idéia de ruptura com o que estava posto, fazendo críticas ácidas à linguagem cinematográfica de então. Truffaut foi o primeiro a debutar com Os Incompreendidos, mostrando ao mundo o garoto Léaud, então com 14 anos, que acompanharia toda história do movimento e do chamado ciclo “Antoine Doinel”. Godard logo em seguida faz Acossado, com Jean-Paul Belmondo. O choque foi geral, as pessoas não entendiam a irreverência contida em um olhar direto para a câmera como da belíssima Jean Seberg, ou do próprio Belmondo que inclusive conversa com o espectador, entendem aquilo como simples falta de seriedade. Jovens querendo brincar com a arte “séria”.
 
leaud ator                                    alt
 
Godard veio de família rica, criado na suíça. Truffaut teve infância difícil e foi um garoto solitário. Os dois vão manter uma longa amizade, hora um produzindo o outro, escrevendo roteiros, e principalmente estarão juntos na hora da radicalização política na França. Poucos meses antes do conhecido Maio de 68 Francês, Henry Langlois é destituído do comando da cinemateca francesa (o lugar mitológico onde se formaram grande parte dos cineastas franceses), o que gera uma intensa mobilização por parte de cineastas do mundo inteiro, encabeçados por Truffaut e Godard que inclusive filmam juntos um curta onde falam sobre a importância da cinemateca.
 
Nos meses seguintes, com Langlois já de volta a seu posto, explode a rebelião estudantil e operária. Estamos no Maio de 68 e as vozes de Godard e Truffaut são novamente ouvidas em altos decibéis. Eles conseguem cancelar o Festival de Cannes daquele ano em nome de uma coisa que, segundo eles, nenhum filme a ser exibido no festival seria capaz de superar: a juventude que estava nas ruas, as fábricas que estavam tomadas e a greve que era geral. As imagens de arquivo que Emannuel Laurent nos traz são de arrepiar diante da lucidez do discurso que fazem François e Jean-Luc. A Nouvelle Vague não era apenas um movimento artístico, era algo ligado diretamente às ruas, ao novo.
 
O Rompimento.
 
Após as rebeliões de 68 a radicalização de Godard cresce cada vez mais. A idéia de que uma arte política necessita de uma forma política toma de assalto seu horizonte, um horizonte pelo qual ele não abriria mão facilmente. Queria uma revolução na linguagem. Horizonte diferente tinha Truffaut que continuava defendendo as premissas do cinema de linguagem clássica. Acusava Godard de instrumentalizar a arte. O estopim foi o filme “Noite Americana” de Truffaut o qual Godard rechaçou veementemente por ser, segundo ele, apolítico. Esse embate os afasta para o resto da vida, longas cartas trocadas, pesadas acusações de traição de ambos os lados. No meio disso estava Léaud que trabalhava com ambos. Talvez a grande contribuição desse documentário – que não traz tantas novidades – seja recuperar imagens de bastidores – o teste de Léaud para Os Incompreendidos é uma dádiva para os aficcionados – mas, sobretudo, colocar como tudo girava em torno de uma atmosfera de discussão política, de embate, renovação, descobertas (a forma de filmar uma mulher, que aprenderam com Bergman, é expressiva disso). Nada de tédio, marasmo ou grandes orçamentos. A meu ver não cabe julgamento se foi Truffaut ou Godard que tomou o caminho mais “correto”, afinal eles já haviam criado algo revolucionário e não foi dentro de uma redoma. Quantos diretores hoje sairiam na porrada com a polícia em alguma manifestação? Talvez um, ou dois. A esmagadora maioria veste terno e gravata para mendigar em porta de multinacional. Enfim, impossível esgotar todos os detalhes e significados desse documentário, onde cabem muitas abordagens.
 
Assistindo ao filme me lembrava sempre das semelhanças da Nouvelle Vague com o Cinema Novo. Me vinha na cabeça o ímpeto arrasador do Glauber, o trator que ele era quando discursava ou escrevia. Ainda falta um grande filme sobre a nossa revolução cinematográfica ou estou enganado?
 
 
 
  
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Diogo Brunner