A dissonante das notas revolucionárias


Não cabe a mim ou a ninguém afirmar com a certeza de uma verdade sobre o futuro distante ou próximo, a não ser claro, que o orador seja um desses videntes, adivinhos ou oráculos. No entanto quando se trata desses assuntos podemos dizer que o tema sai do racionalismo ocidental e entra no campo do universo místico. Mas não é o atrito do místico com o racional ocidental que me ocupa, neste instante, pois há um atrito paradoxal embutido nele, quando o assunto é o processo revolucionário no mundo ocidentalizado.


Para não me alongar nas correntes teóricas defendidas com unhas e dentes dos militantes, tão pouco defender um ou outro lado, assim é importante relembrar alguns pontos importantes nas principais teorias e práticas, ditas revolucionárias, e a partir deles refletir a confluência ou não com o que pode ser chamado de construção ou desconstrução do processo.


Existem teses que se apresentam em concordância com a manutenção de uma estrutura burocrática, o Estado, diante ou não da extinção do capital, alteração da conformação desta estrutura ou apenas uma alteração da ordem dos poderes existentes. Há teorias que se mostram em aspectos pedagógicos, ou seja, tratam da orientação ou não das pessoas envolvidas direta ou indiretamente neste processo; tanto como orientados quando como autônomos em todas as etapas.


É evidente que este assunto é de interesse quase que predominante das ciências políticas e sociologias, e em raras exceções da antropologia e pedagogia, dentre outras. Porém acho válido rememorar o abismo que há entre estas ciências e seus paradigmas envolvidos, principalmente para se analisar e viabilizar a chamada revolução, a queda do sistema capitalista.


Quando se trata de assuntos que envolvem pessoas, podemos dizer que a racionalidade – mesmo que não seja a clássica aristotélica – está presente em todos os humanos, afinal são capazes de estruturar pensamentos até os mais loucos e autistas. Partindo da racionalidade não reducionista como a dialética, lembrar que a fundamentação cultural não provém necessariamente do sistema socioeconômico vigente, mas muito pelo contrário, há mais do que evidências claras da existência de um sistema de hibridização das comunidades formadoras da sociedade macro prevista no capitalismo.


Essa hibridização está repleta de fatores já discutidos na teoria da biopolítica de Michel Foucault, que se transpõem da filosofia para a compreensão da sobrevivência das culturas populares, tão aparentemente dizimadas e engolidas pela complexa cultura de massas. Assim, a estruturação social das populações dentro do sistema capitalista acaba sendo dúbia, ou seja, se mostra como uma estrutura macro, o sistema capitalista em si, e outra micro, o sistema cultural local.


Quando se trata das teorias revolucionárias, quase nunca há a consideração desta crucial realidade microcósmica; afinal se combate um sistema de homogeneização com outro, mesmo que este não seja necessariamente aquele desejado pelas pessoas atingidas pelo processo; aí mora a instabilidade do processo: a manutenção da nova ordem não necessariamente respeita a particularidade das comunidades atingidas.


Nessa ótica se vê – como em alguns países africanos – o conflito entre as racionalidades, afinal tanto o capitalismo como a maioria das demais teorias de sistema não preveem a dialógica existente na multiculturalidade. Todo homem pode ser igual, porém por mais que haja a força hegemônica da padronização das populações, a micro resistência insiste em filtrar estes elementos e hibridizar as formas culturais, sem perder suas particularidades e identidades.


Diante disso, me permito dizer que o sucesso revolucionário só é possível quando se afina a tese mais flexível para o diferente, não para o igual, afinal se nem geneticamente são todos iguais, quiçá racionalmente. As discordâncias continuarão a gritar em tom diferente do sistema socioeconômico, independente de qual seja, quando este não respeitar, em todos os sentidos, o diferente.


Não há burocracia, ou capital capaz de vencer valores e lógicas. Lutar sim, mas sem perder a ternura de olhar o diferente como um igualmente belo é crucial. Ao contrário disso, são apenas teorias e tentativas capazes de dizimar, perseguir e justificar suas derrotas numa relação monótona de briga por hegemonia e razão com o sistema vigente, claro que quem paga a conta é sempre o mesmo. Poupam-se os cavalos, torres e bispos, e sacrificam-se os peões, que de igual tem somente natureza de ser.

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Stella D´Agostini