Um espaço de tempos e contratempos


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A elaboração de conceitos definidores da natureza é um exercício antigo para a humanidade, desde os mitos mais remotos revividos cada vez que são contados, ou até a ciência moderna ocidental capaz de definir a natureza em discursos filosóficos, fórmulas matemáticas e partículas orbitantes em formatos entrópicos. Neste aspecto vê-se, ainda, a invenção constante dos elementos formadores dessa natureza, ou melhor, a reinvenção em novas formas, propriedades e argumentos simbólicos e/ou lógicos.


Quando o assunto é a construção de realidades, dois aspectos são importantes, o tempo e o espaço. Inúmeros estudos se apresentam como forma concisa de explicação dos limites, contagens e justificativas do traçado temporal e do perímetro espacial. Se a natureza observada for considerada concreta, como aquela definida nas ciências exatas ou nas lógicas aristotélicas das humanidades, a possibilidade de mensurar, descrever em detalhes e definir utilizando sistemas e modelos de complexidade científica, existe; porém nem todas as explicações se apresentam de forma metódica aos olhos ocidentais, como os mitos regionais.


No mundo concreto a possibilidade de descrição do tempo e do espaço se aproxima do fantástico, seja na tentativa de explicar o surgimento do mundo – ponto no qual o espaço e o tempo se apresentam secundariamente – ou na explicação destes conceitos em separados. Muitas culturas só conhecem o tempo e o espaço por mitos, outras nem os descrevem, apenas convivem com sua existência, dispensando a necessidade de explicar ou justificar suas presenças.


A precisão da relação com ambas, as ferramentas definidoras de uma natureza, nem sempre se apresenta crucial para a consciência de suas existências, ou seja, há povos cujo o tempo e o espaço são mais amplos que o concreto, e a partir dessa irrelevância comunitária a solidez da natureza se esvai como a de sua mensuração. Exemplos destes povos, são aqueles nos quais o totemismo é empregado, ou os nômades que caminham com o dilatar e contrair da natureza ao seu redor, a mudança das chuvas, o movimentos das manadas entre outros fenômenos.


Como nas realidades místicas, espirituais ou não, o tempo fora do concreto é diferenciado, independente da correria cotidiana ou da fluidez da vida bucólica. Essa particularidade se apresenta também em realidades criadas pelo próprio homem, como a cibernética. Na natureza acessada por humanos adaptados com fios, luzes e silício, tanto o espaço quanto o tempo se distorceram como numa fenda: o homem criou o lugar infinito de tempo instantâneo e eterno. Mas como o tempo poderia ser paradoxal ao ponto de ser instantâneo e eterno, ou o espaço não possuir limites?


Para criar a realidade digital, – a cibernética – a humanidade empregou os minerais, idéias, filosofias, plásticos e eletricidades; ferramentas obtidas pela dominação da natureza concreta – intra e extracorpórea – usufruída por anos quase que com exclusivamente. Entretanto a dominação de um espaço definível e palpável possibilitou ao ser humano criar sua própria realidade; não apenas modificar aquela já conhecida. Diante da elaboração do ‘novo mundo’ habitável, novos paradigmas se estruturam, não apenas para dar conta do espaço – ainda indefinido – mas para decidir formas e uso, governo e conexão neste novo universo.


Conexões podem ser definidas, nas ciências sociais, como as relações do indivíduo com o exterior ou com os valores, morais e culturas que interiorizou. Assim, toda vez que o sujeito se depara com opiniões, desejos, interpretações ou outros elementos que geralmente caracterizam a socialização primária e secundária, bem como o concreto, ele se vê diante do que o torna parte integrante da realidade, ou seja, a conexão que permite a afirmação da existência do mundo no qual o ser humano se insere, seja ele qual for, tal qual dele mesmo enquanto ser humano. Isso se apresenta como parte fundamental para a conformação de uma natureza para o homem; e no digital não é diferente.


Quando alguém se conecta ao universo digital apresentado na internet recebe os estímulos necessários para se sentir parte deste universo paralelo, os sentidos são alertados e o homem por trás da máquina deixou de ser um humano, agora é um ciborgue vivente no mundo cibernético. Consequentemente, além da mudança da ‘natureza’ existencial este alguém é alvo das novas possiblidades compreendidas neste mundo, a identificação, o espaço, o tempo, e a organização social em todos os níveis.


Sabe-se que as mídias sociais são populares e sempre procuram reproduzir as lógicas e valores da realidade externa, no entanto este espaço delimitado é apenas uma ínfima parte do ciberespaço. Quando se trata de internet a definição de espaço esbarra na limitação, ou melhor, ilimitação tecnológica empregada. O avanço das tecnologias de armazenamento, de processamento e velocidades de transmissão de dados se amplia dia-a-dia, assim como as possibilidades de se conectar a ela. Isso tudo permite que a delimitação do espaço, nessa realidade, não exista, ou seja, ele é infinito. Para compreender a ausência de fim é preciso relembrar a constante estruturação que a cibernética sofre: aumentos de capacidade de armazenamento de sítios determinados – como e-mails, discos virtuais e blogs – representando uma espécie de dobra do espaço sem que haja, necessariamente, perda dos dados ou informações compartilhados ou arquivados.


Por outro lado, o acesso ao digital, além de possibilitar o contato com um espaço infinito, proporciona uma dúbia relação com o tempo: a vida instantânea e a eternidade. A ausência da linearidade, ciclização ou até mesmo mensuração do tempo no universo ciber, é apresentada em várias análises, sempre valorizando o instantâneo da informação muitas vezes sem considerar o imediato por completo.


O tempo cibernético discutido como elemento singularmente instantâneo é exemplificado pela superação de distâncias geográficas presentes no mundo concreto, porém não se limita a isso. Ao acessar um sítio na internet, o que se obtém são informações ou elementos disponíveis até aquele momento. O navegar leva o habitante até o caminho que deseja, sem considerar a temporalidade até aquele momento, é o viver o instante, como se o mundo acessado se criasse cada vez que é aberto aos olhos de um ciborgue, tal qual o mito escutado.


Apesar disso, a temporalidade se apresenta em sítios específicos, como nos portais de notícia ou de periódicos, sempre apresentando o mesmo impacto sobre o visitante: a sensação de novidade persiste. No entanto, nestes sites, como em portais exclusivos, tal como e-mails, o comportamento do ciborgue ‘ansioso’ se mostra: a tentativa constante de lidar com o novo ao atualizar o sítio funciona como uma busca desesperada pelo instante vivido ao conectar-se, apresentando um aspecto de passado e presente, tão amorfos quanto o próprio ciberespaço.


Viver o instante virtual é próximo do que é viver o imediato concreto. A definição de instantâneo não se altera, mas a relação do alguém com o tempo sim. A diversidade de emoções, sensações e expectativas do momento vivido na natureza concreta geralmente se limita a experiência que passa ao término do momento, restando apenas a memória para o sujeito. Assim, pode-se definir uma história, cronologia ou um processo de vivência a partir do conjunto de momentos, tendo ou não a contagem do tempo, aos moldes ocidentais, como referência. A vida no virtual é capaz de extrapolar isso, impedindo muitas vezes a contagem, mensuração ou determinação da cronologia, por várias razões.


O descolamento do concreto ao conectar-se pode justificar a impossibilidade de mensurar o tempo no mundo cibernético, mas não é o principal motivo. Geralmente o comportamento do ciborgue vai além da vida instantânea em um sítio, há a associação da simultaneidade nesta realidade, isto é, o sujeito é capaz de acessar vários sítios em um só momento sem perder o referencial de quem ele é ou da realidade na qual se insere. Caracterizando um comportamento que se aparenta ansioso, diante, principalmente, do referencial concreto.


A ansiedade do habitante é justificável: a sensação diante do novo muitas vezes é o que o atrai para aquele sítio, portanto vivê-lo é essencial. Dessa forma, o pós-humano se liberta das amarras do tempo contado no ocidente para a liberdade do viver de instantes constantes; ou seja, o visitante busca a atemporalidade imensurável, imediata, e se depara com a eternidade de viver o agora, constantemente.


O paradoxo do eterno início, ou melhor, eterno novo; atua de forma complementar ao imediatismo aparentemente preponderante no universo cibernético. Quando o caminho é conhecido, a navegação é desnecessária, e dessa forma, o eterno se apresenta enquanto o acesso externo a um passado vivido, antes apenas rememorado. A eternidade é vigente e caminha como aliada do agora, pois como num processo de cultura oral de mitos, a temporalidade cibernética se constitui para além do trivial: vive a antítese de ser pra sempre agora, sem perder seus elementos característicos ou até se sustentar de lembranças.


A cibernética, formada basicamente dos registros – outrora fundamentais para construção da cronologia – se transpõe ao tempo criador, deixa o próprio homem, agora um ciborgue, onipresente, ou seja, habitante de todo o espaço e tempo. O que antes era exclusivo das divindades criadas à semelhança do ser humano, hoje se apresenta como uma busca constante do pós-humano, seja no conectar, ou na cibervida presente no cotidiano dele.

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Stella D´Agostini