Preciosa

 

 

Preciosa ou Yes, nós temos favela é um filme que realmente não vai ser neutro no sentimento do espectador: você pode amá-lo, mas também odiá-lo, achar pretensioso, ou simplório, ou boçal ou genial, ou ainda algo no limbo de tudo isso.

Olhe, vou ser bem sincera: eu fiquei no limbo. Se você me perguntar de supetão “e aí? Você viu Preciosa? O que achou?”, eu direi “Opa! Filme bom!”. Mas eu sei que há muito mais a dizer sobre ele do que simplesmente “bom”, tanto sobre aspectos positivos quanto negativos.

Como sempre debato com quem lê minhas resenhas eu tento me isentar em escrever sobre filmes que não gostei. Não que eu não tenha gostado deste, mas serei obrigada a falar do que me incomodou neste filme e não é fácil de diagnosticar porque é sutil. Há algo na condução deste roteiro que me deixou com a pulga atrás da orelha, naquilo que resvalaria a pieguice. E como Preciosa eu comecei a sonhar como seria o mesmo filme na mão da iraniana Samira Makhmalbaf (de “A maçã”), por exemplo… Talvez não houvesse essa intenção de forçar a amizade (e o chôro) do espectador, com ângulos exagerados de Preciosa e seu rosto imperfeito, da sujeira em que vive e da sua professora com cara de coitada. No filme de Samira, a câmera e a narrativa se mantêm neutras, quase como um reality show artístico sem perder o limite da ficção – você continua consciente de que são atores diante da câmera e que estão representando, ou seja, mise-em-scéne perfeita! – e nem por isso deixa de se emocionar de maneira honesta.

Contudo, posso destacar as técnicas simples de narrativa, como as lindas e engraçadas passagens em que Preciosa devaneia e são bastante necessárias já que a vida ali é bem dura. Tenha certeza de que você, no lugar de Preciosa, talvez devaneasse também… Ou se tornaria um psicopata e mataria a todos fuzilados! Destaco também a interpretação das atrizes dentro desta proposta de como sofrem as mulheres em periferia e de que modo elas acabam se unindo para se ajudarem.

Não chega a ter um toque feminista chato, mas o mundo feminino ali retratado tem sua beleza e mazelas ressaltadas de modo convincente e tocante. Gabourey Sidebe dá realmente um show de interpretação e parece que somente ela ali tem aquela dose mais contida de emoção que eu gostaria. E por incrível que pareça ela é uma atriz de primeira viagem, quase como os atores não-profissionais de Samira Makhmalbaf. Somente Gabourey realmente me comoveu no filme, de verter lágrimas mesmo. Ah, sim, Mariah Carey surpreende mesmo mal saindo da cadeira onde está, ok? Eu gostei de vê-la atuando.

Acho que a emoção que Preciosa lhe trará vai estar intimamente ligada com o nível de contato que você espectador já teve com o tipo de contexto exposto ali. Eu me lembrei de uma fase emocionante da minha vida como professora de redação em uma universidade federal a um grupo do que o campus resolveu chamar de alunos de origem popular. Ali eu os ajudaria a escrever um texto sobre a trajetória deles até chegar à universidade, que seria publicado num livro, resultado de um projeto que eles participavam para terem bolsa de estudo. Eu escutei e li tantas histórias de luta, de superação, de frustração, indignação e vitória que me emocionava a cada parágrafo que eu tentava corrigir. Aprendi muito mais com aqueles jovens do que ensinei e as biografias deles jamais me sairão da memória… E por isso chorei muito no filme, por lembrar dessa minha experiência também.

Não posso julgar o que os outros sentem, mas não sei se a moça alta e maquiada, cheia de jóias, que cheirava a um perfume extremamente doce e carregava inúmeras sacolas de grife ao meu lado sentia o mesmo que eu. Pois a observei rindo com a mão na boca e cutucando a mãe ao lado toda vez que a câmera fechava o foco em Preciosa, enquanto ninguém mais ria e muitos outros soluçavam como eu na sala do cinema…

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Ana Al Izdihar