Caminhar, branco e criança, na lua

Michael agora pode ser branco, pode ser Peter e quem sabe pode realmente caminhar na lua.

“A águia voa sozinha, os corvos voam em bando.” Friedrich Rückert

O Pelé (sinônimo de raro rei indiscutível) do pop morreu.

Now you can walk on the moon.

Sob um viés costurado pelo pop, música, comportamento etc, Michael Jackson era um dos poucos até então que podia olhar Elvis nos olhos, olhar os Beatles nos olhos, Bob Dylan olho no olho (talvez o Kurt possa também, mas eu gosto demais de Pixies e Smashing Pumpkins, então fico meio de cara com o obscurecimento destes pelo Nirvana, mas sob o mesmo viés especificado antes talvez ele também possa – e em verdade eu não sou uma pessoa muito indicada para falar nisso, só sou na medida em que nunca pensei nisso ou estudei isso, então lanço a minha análise como um representante daquele a quem só chega aquilo que é impossível não saber, das notícias e situações que não dá para fugir). E claro, há a Madonna, que sempre soou para mim e para a torcida do Flamengo como uma esposa do Michael, ou uma amante, irmã, melhor amiga (dado que esposa talvez conote pejorativamente, por não estabelecer o mesmo nível, embora haja igualmente a palavra esposo), que exerce um contraponto a ele, como a relação entre o esforço disciplinado (ela) e a criatividade perturbadora e meio rebelde (ele), o que se percebe bem pelos caminhos opostos que ambos tomaram dos 90’ em diante, da relação oposta que tiveram com seu público: baseando-se nos exageros, tudo que Michael fizesse era estranho, ruim, e Madonna, por outro lado, é “tudo de bom”, para usar um termo muito associado a ela. Mas estes ícones parecem estar sob Michael, como se ele representasse todos.

As personalidades se encontram num limbo da realidade, situam-se entre coisa (objeto) e ser humano, entre sonho e cotidiano, sendo a imagem o elo dessas extremidades. Por trás da ilusão de uma personagem de cinema, gigante, antigamente preta e branca, com sua voz chegando por auto-falantes, há a referência a um ser humano comum, que se revela parecido com cada um de nós.
Os Beatles são eternamente jovens, suas vozes estão lá, suas imagens estão por aí: e nelas nada mudou. Enquanto coisa (objeto) as personalidades podem desprezar o tempo, os limites, o politicamente correto. É sexy Stanley Kowalski ser um explorador, mas isso é errado na realidade, Marlon Brando não poderia ser assim de verdade. Na ilusão, na fantasia, permite-se tudo. Mas a realidade (e nós exercemos o papel de seus agentes) isso não pode, há limites.
Be happy, mickey.
Então Michael foi além: Michael queria que sua pessoa pudesse tudo que sua imagem poderia. Queria concretizar a ilusão. Michael encarnou por excelência o não-humano: conquistou através do estranhamento (bizarrice se identifica melhor com o povo) um modo de não ser pessoa comum, de ser coisa, de estar não sobre ou sob, mas à margem do comum, ser por excelência uma personalidade, numa época em que ser personalidade é muito mais fácil, em que há muitas delas, em que pessoas comuns podem se passar (e assim de certa forma ser) por elas. Michael conseguiu quebrar as regras numa época em que somos motivados a quebrar as regras.

Micjey foi além.

E aí que se revela a impossibilidade de se ser livre, ou ao menos a grandíssima dificuldade em sê-lo. Que se revela a igualmente imensa dificuldade em se respeitar verdadeiramente, que é respeitar aquilo que difere em muito do que conhecemos, ou o bom e velho “não atirar a primeira pedra”.

Nós (com a mesma observação anterior) fomos aquém:

a) Michael queria ser branco.
Uma vez li um texto do Arnaldo Antunes que falava sobre essa balela de o criticarem por isso. As pessoas (leia-se muitas delas, evidentemente não todas, quiçá tampouco a maioria) fritam (assam calha melhor) no sol em vez de ficarem no mar para se tornarem morenas e não há problema algum nisso. Silicone, botox, peruca, chapinha, maquiagem, creme, perfume: em maior ou menor intensidade, são todos meio artificiais de se melhorar segundo as próprias escolhas: quem não está feliz consigo tem o direito de mudar e assumir as conseqüências por isso – efetivamente isso não poderia ofender ninguém, cada um é dono do próprio nariz, quem não quer não faz etc. Mas ele não, ele não podia: ele era negro, e não querer ser negro era negar a raça, era ser racista.

b) Michael pôs seu filho bebê numa janela para os fotógrafos.
Clap-clap: palmas para ele: o fato de os fotógrafos estarem lá dispensa maiores comentários. E o bebê estava bem seguro.

c) Michael queria ser criança para sempre.
As pessoas (mesma observação de antes) vêem filmes como Em Busca da Terra do Nunca e pensam “pobre injustiçado homem, vítima do moralismo”: mas é o Jonnhy Deep, e ele é bonito, ele é puro; mas Michael não, ele quase não tem nariz, ele é monstro: ainda temos o velho problema da Bela e a Fera (Madonna e Michael?): não sabemos lidar com a feiúra, com  o estranho, com a dúvida. Dúvida porque pedofilia que eu saiba nunca foi comprovada. E se foi, sabe-se lá como foi. Eu, se tivesse que chutar, pois nunca me informei a tanto a respeito, somente recebi os raios das mídias que não havia como evitar, apostaria na pureza de Michael. Eu apostaria na sua inocência e, mais que isso e talvez gerador disso, na sua ingenuidade incompreendida (e talvez incompreensível).  

A, b, c it’s easy as 1, 2, 3.
 
Michael queria ser rei.
Isso ele foi.

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João Grando