Demografia By José Eustáquio Diniz Alves / Share 0 Tweet Quando eu era criança, mais de 92% da população brasileira era católica. Minha mãe, mulher de pouco estudo e muita fé, me levou para a primeira comunhão, para as missas dominicais e procissões. Ficou marcado na minha memória uma romaria a Congonhas, onde conheci demonstrações de catarse coletiva, além das estátuas de Aleijadinho. Mas eu não segui os passos do catolicismo. Primeiro, porque não entendia as homilias dos cultos e, segundo, porque o mundo da mística cristã estava muito distante da realidade nua e crua da minha lida diária. A Igreja ajudava pouco. Existia até uma certa rejeição, pois um desafio comum nas brincadeiras entre os meninos da rua era: “quem chegar por último é mulher do padre”. Era grande o esforço para não ficar para trás. E, pecado, confesso que nossa turma de garotos chegou a praticar bullying contra coroinhas. Mas, naquela época, ninguém tinha a menor noção de palavras difícieis, tais como bullying e pedofilia. O fato é que a doutrina da Igreja Católica não foi a referência para o destino da maioria dos meus colegas. Por meio do ensino público e laico, estudei e aprendi com Max Weber que a realidade da minha infância e adolescência era apenas um pequeno retrato do conflito entre o lado sagrado e encantado da religião e o processo de dessacralização e desencantamento do mundo. Considerando a teoria do sociólogo alemão, os dados do censo 2010 não surpreendem ao mostrar que o Brasil está ficando mais secular e menos encantado. O espantoso é o ritmo no qual a Igreja Católica tem perdido adeptos. E a perda tem sido maior entre as mulheres e os jovens. Em tese, é possível estancar essa sangria. Em 2013, o Papa vem ao Brasil para falar especialmente às mulheres e jovens. Ele poderá virar o jogo? Só se mudar o discurso e a prática, pois será difícil agradar as mulheres, mantendo o sexo feminino excluído da hierarquia eclesiástica, será difícil atrair os jovens, proibindo o sexo antes do matrimônio, será difícil ampliar o número de padres, mantendo o celibato religioso e será quase impossível manter a filiação das pessoas de bom-senso, enquanto a doutrina católica continuar rejeitando os métodos contraceptivos modernos e proibindo o uso da camisinha, para garantir o sexo seguro e evitar as doenças sexualmente transmissíveis. Não será fácil reverter a debandada do rebanho, quando o Vaticano, na Rio + 20, assume posições anacrônicas para impedir a entrada dos Direitos Sexuais e Reprodutivos no documento “O Futuro que Queremos”. O discurso da “Opção preferencial pelos pobres” também não tem sido capaz de evitar o fim do monopólio católico no país e a difusão da doutrina de Joãozinho Trinta: “Pobre gosta de luxo”. No mundo pós-moderno, a lógica da esfera econômica tem prevalecido sobre a dinâmica puramente religiosa. A teologia da prosperidade tem atendido melhor as expectativas de consumo e os interesses egoísticos das diferentes camadas sociais. Como disse Flávio Pierucci, em artigo póstumo, a sociedade não precisa mais ser fiel a um Deus transcendente, quando os indivíduos pagam pelos serviços prestados em nome Dele e transformam os bens tangíveis em ideal divino. Atualmente, o consumo é considerado sagrado. O crescimento das correntes evangélicas pentecostais, no país, tem sido compatível com o fato de que o sagrado está cada vez mais comercializado e dessacralizado. E o Brasil cada vez mais desencantado.