Terapias “rasas” e “profundas”

O que é uma terapia psicológica "profunda"? A quem se destina? A terapia profunda é melhor do que a rasa?

Os comentários que se seguem foram inspirados pelo artigo, recentemente postado em “O Pensador Selvagem”, “Existe Profundidade de Análise e Intervenção na Terapia Comportamental?”, de Paulo Abreu, um colega psicólogo de orientação não psicanalítica.

Desse artigo, parece-me seminal o trecho a seguir:

Freqüentemente tenho ouvido de alguns colegas psicólogos não-analistas do comportamento comentários sobre a terapia comportamental de que ela não é profunda, ou seja, não foi desenhada para atentar para os problemas existenciais mais próprios do ser humano. Interessante notar que essas mesmas pessoas têm me encaminhado seus clientes mais difíceis por não terem tido êxito no tratamento.”

Esse trecho aceita o pressuposto se uma terapia ajuda um paciente, ela é “profunda”. Esse pressuposto é falso e, constrange-me dizer, tem origem na “tribo” psicoterápica a que pertenço – a dos psicanalistas – mas com a qual freqüentemente me atrito.

Vou defender aqui a hipótese de que, na verdade, quanto mais “difícil” um paciente, tanto mais será bem servido por um terapia “rasa”, em vez de sê-lo por uma “profunda”. Se esse ponto de vista estiver correto, em nada espanta que”, quando se defrontam com pacientes que consideram “difíceis”, terapeutas de orientação não comportamental recorram a terapeutas comportamentais, a despeito de não os considerarem “profundos”. Para sustentar essa afirmação, consideremos o caso seguinte:

X tem um surto psicótico e é internado. Sua mãe vai visitá-lo e, durante a visita, ele explicita que a odeia e tenta estrangulá-la. Submetido a tratamento, recebe de novo, tempos depois, sua mãe. Trata-a perfeitamente bem, mas diz tanto a ela quanto a outros, que ALGUÉM ESTÁ COM A INTENÇÃO DE AGREDI-LA.

Creio haver consenso sobre que, quando X estava consciente de seu ódio em relação à própria mãe e pulou em seu pescoço para estrangulá-la, estava mais “difícil” do que quando a tratou bem, embora abrigando a idéia delirante de quem alguém queria agredi-la.

Pergunta-se: naquela primeira fase desse paciente, que sentido haveria em um psicanalista interpretá-lo, dizendo: “NO FUNDO, o senhor estava sentindo raiva de sua mãe e querendo estrangulá-la”?

Que FUNDO? O paciente estava perfeitamente consciente de seu ódio pela mãe e de seu propósito de matá-la! Pacientes muito regredidos TÊM SEUS PRINCIPAIS PROBLEMAS NO RASO, não no fundo e, como tal, é o raso que tem que ser tratado, sendo muito mais indicadas intervenções objetivas, de tipo comportamental, do que interpretações psicanalíticas!

Está já mais do que na hora de que as várias escolas psicoterápicas comecem a reconhecer que suas técnicas são mais eficientes para UM DETERMINADO TIPO DE PACIENTE do que para outros. Freud tinha essa humildade. Boa parte de profissionais e não profissionais se esquecem ou deixam deliberadamente de lado o fato de que ele fazia “análises de prova” com os candidatos a serem atendidos por ele, para determinar se esse candidato era SUFICIENTEMENTE SAUDÁVEL para poder aproveitar de um tratamento “profundo”.

Acontece que a Psicanálise virou grife, grife vende bem e, como a Psicanálise é “profunda”, ser “profundo” passou ser algo valorizado por si mesmo. Arrematada sandice. Ser “profundo” é útil para determinado tipo de pacientes, não para todos, particularmente não para os mais graves. Acho que psicoterapeutas de orientação não psicanalítica, como Abreu, se defenderiam melhor dessa distorção, defendendo não a posição de que são “profundos”, mas o cabimento e necessidade de sermos “rasos” no tratamento de um sem número de distúrbios psicológicos. Principalmente no dos mais “difíceis”.

About the author

César Ebraico