Pedofilia


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Já que fatos recentes despertaram a atenção do público para a pedofilia e que um auto-declarado pedófilo, colocou em minha comunidade Orkut, sob o codinome de COIOTE, algumas questões sobre esse tema, decidi, mesmo antes de completar minha série de artigos sobre alta em Psicanálise, repassar a vocês o teor de minhas respostas às perguntas que me foram feitas, que são as seguintes:

1) A definição de pedofilia do DSM [“Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders”] é válida?

2) Qual a natureza do prazer que o pedófilo sente ao se relacionar com uma criança?

3) O que o pedófilo vê numa criança que lhe desperta o prazer?

4) Esse prazer não seria simplesmente um desvio que o próprio pedófilo criou em seu cérebro por livre e espontânea vontade?

5) Em caso afirmativo, por que, se é voluntária, a pedofilia deveria ser considerada doença mental?

6) Ela é considerada doença mental só porque não se enquadra nos padrões sociais de normalidade?

7) Doença mental não seria algo que cause danos à própria pessoa, como, por exemplo, a depressão, ou a outras pessoas, como, por exemplo, a psicopatia?

I

Respondi assim:

“Coiote, vou-lhe responder por partes. Sua primeira pergunta é:

É válida a definição de pedofilia do DSM [Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders]?

Antes de nos ocuparmos com a definição de “pedofilia”, cabe nos preocuparmos com o critério que pretenderemos empregar para decidir se ela é ou não válida. Ora, permito-me supor, até pela natureza de suas demais perguntas, que, nas entrelinhas dessa, encontra-se outra, qual seja:

A definição de pedofilia dada pelo DSM torna válido considerá-la um transtorno mental?

Para poder responder a essa pergunta deveríamos saber, naturalmente, o que é um transtorno – ou doença – mental. E sabemos?

Permita-me uma pequena digressão. As ciências têm conceitos, chamados “idealizações”, que se referem a algo que simplesmente não existe. O conceito de “motor sem atrito”, da Física, o de “gás ideal”, da Química, o de “mercado perfeitamente accessível”, da Economia, são exemplos disso. Vejo você inclinado a me perguntar:

E para que diabos serve um conceito sobre o que não existe?

Serve, entre outras coisas – talvez até, principalmente – para orientar-nos na ordenação do que existe. Procede-se assim:

Definimos quais seriam, por exemplo, as características de um “mercado perfeitamente accessível”. Assim aparelhados, voltamo-nos sobre o empírico e, frente a cada MERCADO REAL que com que nos deparamos, avaliamos o quanto ele se afasta daquele MODELO IDEAL, de forma que terminamos construindo uma série constituída por mercados reais ordenados segundo tal afastamento.

E o que tem isso a ver com o problema do conceito de doença mental? O seguinte: o conceito de doença mental é um conceito DERIVADO. Doença mental é qualquer AFASTAMENTO SIGNIFICATIVO do conceito de SAÚDE MENTAL PERFEITA, algo que, evidentemente, não existe, tratando-se – como “motor sem atrito” etc. – de uma “idealização”.

Ouço você, em seguida, perguntando:

E como se define essa tal idealização, a tal da “saúde mental perfeita”?’

Assim:

SAÚDE MENTAL PERFEITA = capacidade de optar por comportamentos que produzem, dentro das condições oferecidas pelo ambiente em que o sujeito se encontra, o MÁXIMO NÍVEL de prazer e funcionalidade.

Portanto:

DOENÇA MENTAL = qualquer AFASTAMENTO SIGNIFICATIVO da capacidade de optar por comportamentos que produzem, dentro das condições do ambiente em que o sujeito se encontra, o MÁXIMO NÍVEL de prazer e funcionalidade.

Afastamento SIGNIFICATIVO! Como decidir quando um afastamento deve ser assim considerado? A decisão sobre isso é arbitrária e aberta ao debate. A homossexualidade, por exemplo, esteve arrolada entre os transtornos mentais pelo DSM até 1973, pelo CID (Código Internacional de Doenças) até 1990. Ou seja, terminou-se por concluir – corretamente, a meu ver – que a homossexualidade, por si só, não implica NECESSARIAMENTE um afastamento SIGNIFICATIVO do ideal de saúde psicológica.

Mas voltemos à pedofilia. Você perguntou se a definição do DSM é “valida”.

Vamos ampliar um pouco mais nossas indagações e nelas, além do DSM, incluir o CID. Como sua última versão – a décima – define pedofilia, que elenca sob o registro de F65.A? Assim:

Uma preferência sexual por crianças, usualmente de idade pré-puberal ou no início da puberdade.

Dá, apenas com essa definição, para considerar pedofilia uma doença? Não, não dá. Se, num país oriental, em que isso é corriqueiro, vemos um senhor de 40 anos relacionando-se sexualmente com uma menina de 12, com quem se casou e a quem trata com carinho e respeito, cabe diagnosticá-lo com F65.A, considerando-o um doente mental?

Ridículo. Na seção seguinte, abordo o DSM.

II

O DSM, pelo menos a partir do DSM-III-R, descreve a pedofilia aproximadamente da forma que transcrevo abaixo (digo ‘aproximadamente’ porque fiz alguns ajustes óbvios no texto original. Por exemplo, onde ele traz “envolvimento sexual com UMA criança de idade pré-puberal”, pus “envolvimento sexual com CRIANÇAS de idade pré-puberal”). Vejamos o texto:

A característica essencial deste transtorno são fantasias e desejos sexuais recorrentes e intensos, com pelo menos seis meses de duração, onde há envolvimento sexual com crianças de idade pré-puberal. A pessoa executou, de fato, ações que implementaram tais desejos, ou se sente fortemente perturbada por eles, ainda que nunca os tenha executado. A idade da criança geralmente é de 13 ou mais jovem. A idade mínima do pedófilo foi arbitrariamente fixada como a de 16 anos e deve haver uma diferença de pelo menos 5 entre as idades dos envolvidos nos atos ou fantasias em questão. Quando um dos envolvidos está no final da adolescência, essa diferença não é especificada e o julgamento clínico deve decidir pela presença ou não do transtorno, devendo, nessa decisão, serem levadas em conta tanto a diferença de idade quanto a maturidade da criança envolvida.

Essa caracterização da pedofilia – embora apresente uma falha essencial, que iremos abordar – tem uma série de vantagens em relação à do CID:

1) ‘a caracteristica essencial desse transtorno são fantasias e desejos sexuais recorrentes e intensos, com pelo menos seis meses de duração’;

Aqui o DSM introduz CONSIDERAÇÕES QUANTITATIVAS – o que não faz o CID – entre elas a exigência de um tempo mínimo – embora, evidentemente, arbitrário (por que não cinco ou sete?) – de permanência dos sintomas para que possa caracterizar-se o transtorno, evitando que um episódio isolado seja caracterizado como tal.

2) ‘a pessoa se sente fortemente perturbada por eles’;

Aqui, diferentemente do que ocorre no CID, existe uma característica que justifica falar-se em doença: o sofrimento.

3) a idade mínima do pedófilo foi arbitrariamente fixada como a de 16 anos e deve haver uma diferença de pelo menos 5 anos entre as idades dos envolvidos nos atos ou fantasias em questão.

A arbitrariedade dos critérios cronológicos empregados é reconhecida, embora, obviamente, tal reconhecimento não nos permita escapar da situação esdrúxula de que, se formos ‘levar a ponta de faca’ tais critérios, um sujeito de 16 anos envolvido com outro de 11 mereça o diagnóstico de pedofilia, enquanto um de 15 e seis meses com outro de 11 não. Complicado.

4) devendo … serem levadas em conta tanto a diferença de idade quanto a maturidade sexual da criança envolvida

É aqui que o DSM mais se aproxima de uma definição adequada de pedofilia, uma definição em que o avaliador tem o encargo de verificar se, não importa a idade dos parceiros sexuais envolvidos, existe essencialmente uma RELAÇÃO EM QUE UMA PESSOA PSICOLOGICAMENTE MADURA SENTE ESPECIAL PRAZER EM APROVEITAR-SE DA COMPLACÊNCIA DE OUTRA, PSICOLOGICAMENTE IMATURA, para satisfazer a seus desejos sexuais.”

III

Eu já havia respondido a primeira pergunta de Coiote até aqui, quando ele me fez uma postagem com o seguinte conteúdo:

Só um detalhe, eu não percebi nenhuma parte do DSM em que se diga que ‘a pessoa se sente fortemente perturbada por eles [= seus desejos pedofílicos]’. Baseio-me em um texto que pode ser encontrado em

http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm_janela.php?cod=146

Respondi o seguinte:

“Esse não é o texto do DSM. Eu possuo o DSM-III-R, onde se lê claramente:

The person has acted on these urges, or is markedly DISTRESSED by them [A pessoa transformou esses desejos em ação, ou é fortemente perturbada por eles].’ (p. 284; a maiusculação é minha)

É digno de atenção que, no texto que você consultou, se tenha deixado de lado essa FORTE PERTURBAÇÃO de que pode ser vítima o pedófilo. Mostra como o tratamento de assuntos emocionalmente carregados como esse pode carecer de imparcialidade. No caso em tela, fica evidente como a indignação moral provocada pela pedofilia leva à negação da dor de que padecem ALGUNS pedófilos (não TODOS, é claro!), sendo toda a atenção voltada para a dor de suas vítimas, nenhuma para a deles.

A distorção oposta também ocorre. Grande parte dos que lidam com esse tema – profissionais ou não – negam-se a reconhecer situações em que o relacionamento sexual – com ou sem penetração – de um adulto com uma criança trouxe prazer e conforto para essa última. Não é a situação mais comum, mas meus quarenta anos de prática clínica demonstram que ela também existe e, na maior parte das vezes, nesses casos, parte significativa do sofrimento da criança que nela se encontra é o de SENTIR-SE MÁ por ter esse prazer e, conseqüentemente, ter que ESCONDER dos demais adultos (inclusive, por vezes, de um terapeuta) que o experimentou. Meu saite – o www.loganalise.com – aborda esse problema em uma de suas postagens e fui chamado ao Conselho Regional de Psicologia para me defender da estúpida acusação de que, ao apontar esse FATO, eu estava pretendendo promover a pedofilia!

Não me espantaria se outro imbecil, lendo estas linhas, me denunciasse outra vez.”

IV

“Se nos ativermos à definição que propus para pedofilia, seja:

TRAÇO DE PERSONALIDADE QUE LEVA UMA PESSOA PSICOLOGICAMENTE MADURA A TER ESPECIAL PRAZER EM TIRAR PROVEITO DA

COMPLACÊNCIA DE OUTRA, PSICOLOGICAMENTE

IMATURA, PARA SATISFAZER A

SEUS DESEJOS SEXUAIS.

verificaremos que:

1) Há relações que NÃO PREENCHEM os critérios cronológicos propostos pela atual taxinomia (= classificação) psiquiátrica, mas MERECEM ser consideradas pedofílicas. Serve de exemplo o uso por um adulto psicologicamente maduro, para sua satisfação sexual, de um adulto vítima de retardo mental (F70 a F79 do CID-10), ou seja, psicologicamente infantil. Há, entretanto, casos bem mais sutis. Há cerca de vinte anos, atendi um senhor de sessenta, que, aos quarenta, havia casado com uma menina de dezoito anos, economicamente dependente dele, com quem, naturalmente, ele mantinha relações sexuais e a quem tratava como uma verdadeira criança, chamando-a de “meu nenê”. Quando fez trinta e dois, já com dois filhos criados, a “nenê” resolveu crescer: contra a vontade do marido, entrou para uma faculdade e, formada, começou a trabalhar. Resultado? O marido começou a bolinar crianças do prédio em que morava e me procurou, culpado, pedindo ajuda. Segundo o DSM e o CID, só depois que passou a fazer isso é que passaria a merecer o diagnóstico de pedófilo; segundo meu ponto de vista, desde sempre mereceu.

2) Há, por outro lado, relações que PREENCHEM os critérios cronológicos propostos pela atual taxinomia psiquiátrica, mas NÃO MERECEM ser consideradas pedofílicas. Serve de exemplo o já mencionado relacionamento sexual, em sociedades que permitem tal enlace, de uma menina de, digamos, 12 anos, com um marido, digamos, mais do que três vezes mais velho do que ela e que a trata com carinho, amor e respeito.

V

Vamos a sua segunda pergunta:

Qual a natureza do prazer que o pedófilo sente ao se relacionar com uma criança?

Impossível responder a essa sua pergunta se pedofilia ficar definida da maneira que o fazem o DSM e o CID. Assim definida, pedofilia é um verdadeiro “saco de gatos”, designando um comportamento que pode ter motivações totalmente diversas e, portanto, tipos totalmente diversos de prazer a ele associados (poderá bem entender isso quem leu meu artigo “A Tal Síndrome do Pânico”, também postado aqui e que demonstra que a natureza desse pânico é totalmente diversa, dependendo do transtorno em que ele ocorre).

Se, entretanto, restringimos o diagnóstico de “pedofilia”, como fiz acima, a UM ÚNICO TIPO DE MOTIVAÇÃO, o de uma pessoa psicologicamente adulta que tem especial prazer em aproveitar-se da inércia defensiva de uma pessoa psicologicamente infantil para satisfazer-se seus desejos sexuais, então poderíamos afirmar que a natureza desse prazer é SÁDICO-MASTURBATÓRIA.

SÁDICA porque todo comportamento sexual que se compraz em dominar o outro merece essa qualificação.

MASTURBATÓRIA porque o(s) parceiro(s) fantasiados por quem se masturba, por ser(em) mero(s) marionete(s) de sua fantasia, oferecem(m) ao masturbador a mesma complacência que a inércia defensiva de alguém psicologicamente infantil oferece ao pedófilo.

VI

Sua terceira pergunta foi:

O que o pedófilo vê numa criança que lhe desperta o prazer?

Se aceitamos o que até agora foi posto, sua pergunta já foi respondida na seção anterior, ou seja, é sua inércia defensiva. Creio a esse prazer se acrescenta o da falta de censura com que lhe brinda a inocência da criança. Com efeito, o pedófilo é freqüentemente delatado por uma criança que, sem maldade alguma, relata a outrem as “brincadeiras” que o pedófilo costuma fazer com ela.

VII

Sua quarta pergunta foi:

Esse prazer não seria simplesmente um desvio que o próprio pedófilo criou em seu cérebro por livre e espontânea vontade?

A área das chamadas “ciências humanas” é muito curiosa. Podemos perfeitamente imaginar, em um Congresso de Filosofia, que se organize uma mesa-redonda em torno do tema “O SER HUMANO É OU NÃO LIVRE?”.

Agora, lhe pergunto, você consegue imaginar que um Congresso de Medicina, se organize e uma mesa-redonda em torno do tema “O SER HUMANO É OU NÃO TUBERCULOSO?”.

Pois é, não consegue. Pelo menos, não consegue sem rir! Com efeito, por que diabos aquele primeiro tipo de estupidez é aceitável, quando o segundo não o é?

Minha impressão é a de que o ser humano tende a tentar resolver questões muito carregadas emocionalmente de uma maneira universal – mediante a qual é impossível se obter qualquer resultado satisfatório – porque poucos tem gônadas para lidar com tais assuntos na crueza de sua realidade empírica.

Em outras palavras, eis minha resposta sobre se um pedófilo o é “por livre e espontânea vontade”: QUE PEDÓFILO?

Traga-me o pedófilo e permita-me examiná-lo. Só depois disso poderei dizer-lhe se, ali, a pedofilia é resultado do arbítrio ou da deficiência dele. O que, quando a pedofilia se concretiza como ilícito penal, levaria um sistema jurídico sofisticado a encaminhar o primeiro a uma penitenciária e o segundo a um manicômio judiciário ou a algum tipo mais ameno de restrição de liberdade, sempre condicionada à exigência de tratamento psicoterápico.

VIII

Sua quinta pergunta:

Em caso afirmativo, por que, se é voluntária, a pedofilia deveria ser considerada doença mental?

Parece-me que minha resposta anterior respondeu a sua pergunta: se a pessoa X, por exemplo, sofre com seus pensamentos (obsessões) e/ou com seus atos (compulsões) pedofílicos (tecnicamente, diz-se que esses pensamentos e atos são “ego-distônicos”), sua pedofilia não é voluntária, e DEVE SER CONSIDERADA DOENÇA; se, por outro lado, a pessoa Y está perfeitamente satisfeita com seus pensamentos (obsessões) e/ou com seus atos (compulsões) pedofílicos (tecnicamente, diz-se que esses pensamentos e atos são “ego-sintônicos”), sua pedofilia é voluntária, e NÃO DEVE SER CONSIDERADA DOENÇA (não obstante, caso passe dos pensamentos para os atos, arrisque passar alguns belos anos na cadeia).

Vale considerarmos aqui, mais uma vez, o que ocorreu historicamente com a presença ou ausência da homossexualidade dos manuais que elencam os vários tipos de doença mental.

Como vimos, em 1973, a Associação Psiquiátrica Americana decidiu remover a homossexualidade do DSM. Em 1990, nisso foi acompanhada pelo CID.

O fato de esses dois manuais, nas datas indicadas, se haverem livrado da generalização enganosa de que TODA HOMOSSEXUALIDADE é doença, levou, contudo, a grupos de ativismo gay usar malandramente o reconhecimento da comunidade científica de que havia cometido um erro, para tentar promover o engano antípoda: o de que NENHUMA HOMOSSEXUALIDADE o é.

Na verdade, pode SER ou NÃO SER. Com efeito, a POSSIBILIDADE – não a NECESSIDADE, como antes de 1973/90 – de a homossexualidade ser uma doença está contemplada, por exemplo, no CID-10, vigente a partir de 1º de janeiro de 1993, em dois registros:

(1) O de “Orientação Sexual Ego-Distônica” (F66.1), assim definida:

Não existe dúvida quanto à identidade ou à preferência sexual, mas o sujeito desejaria que isso ocorresse de outra forma, devido a transtornos psicológicos ou de comportamento associados e pode buscar tratamento para alterá-la.

(2) O de “Transtorno de Relacionamento Sexual” (F66.2), que foi assim definido:

A anormalidade de identidade ou de preferência sexual é responsável por dificuldades em adquirir e manter um relacionamento com um parceiro sexual.

Segundo meu entendimento, a pedofilia deveria receber igual tratamento nosotáxico (classificatório), mas isso traz algumas complicações:

(a) Como ocorreu com a homossexualidade, também haverá alguns engraçadinhos (menos, imagino) dispostos a sustentar que, se ela não é NECESSARIAMENTE uma doença, ela NECESSARIAMENTE não o é, o que, como vimos, implica ledo engano;

(b) Com, no ideário popular, existe uma vasta confusão entre o DOENTIO, o IMORAL e o ILEGAL, tal medida poderia dar impressão de um certo aval da comunidade científica a um comportamento que, diferentemente do que ocorre com a homossexualidade – que, além de haver freqüentado a nosotaxia psiquiátrica, também já freqüentou o Código Penal (o caso de Oscar Wilde é paradigmático) – se deve, como aquela, ser erradicado da nosotaxia, certamente não deve ausentar-se do código.

IX

Sua sexta pergunta:

Ela é considerada doença mental só porque não se enquadra nos padrões sociais de normalidade?

Penso o seguinte:

(1) Visto que, explícita ou implicitamente, o termo “normalidade” soe ser entendido como ‘estatisticamente freqüente’ e o de ‘anormalidade’ como ‘estatisticamente raro’, não se deve confundir a primeira com saúde – é extremamente ‘normal’ encontrarmos bocas com dentes cariados: isso representa saúde? – nem a segunda com doença – gênios como Aristóteles são absoluta anormalidade estatística e isso de forma alguma implica que ele fosse doente.

(2) Posto isso, só é aceitável considerar-se a pedofilia – ou, na verdade, qualquer outro tipo de comportamento – como expressão de doença, se, no caso em pauta, ela:

(a) Implicar um AFASTAMENTO SIGNIFICATIVO de um estado ótimo de prazer e funcionalidade;

(b) Não for expressão de um ATO DE ARBÍTRIO, mas, sim, fruto de OBSESSÕES e/ou COMPULSÕES, que, naturalmente, implicam inexistência daquele.

X

Sua sétima e última pergunta:

Doença mental não seria algo que cause danos à própria pessoa, como a depressão, por exemplo, ou cause danos à outra pessoa, como a psicopatia.

Para que haja DOENÇA MENTAL a existência desses danos é CONDIÇÃO NECESSÁRIA, mas não SUFICIENTE. É necessário que haja concomitante à presença de tais danos algum tipo de incapacidade que impeça o sujeito de AVALIAR ADEQUADAMENTE as conseqüências de seus atos ou de, ainda que as avalie corretamente, não poder AGIR de forma a minimizar tais danos.

Exemplifico. Por que pessoas que fazem significativo mal a outrem merecem, umas, ser consideradas psicopatas, outras não?

Porque o psicopata tem um sério déficit em sua capacidade de avaliar as conseqüências de suas ações. Quer ver?

Um psicopata – o caso é citado por Hervey Cleckley, em seu clássico “The Mask of Sanity” (“A Máscara da Sanidade”) – depois de várias tentativas mal sucedidas de fugir da prisão em que cumpria pena, acabou tendo sucesso em uma de suas empreitadas. Algo errado nisso? Sim: ele iria ser solto no dia seguinte. Foi, por haver fugido, preso e condenado a passar mais um tempinho no lugar de onde queria desesperadamente sair. Dá para considerar um sujeito assim mentalmente são? Difícil.

Bem, espero haver trazido alguma luz sobre as questões abordadas e fico à disposição para quaisquer demais esclarecimentos.”

 

loganálise

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César Ebraico