Loganálise By César Ebraico / Share 0 Tweet Warning: array_rand(): Array is empty in /home/opensador/public_html/wp-content/themes/performag/inc/helpers/views.php on line 280 Notice: Undefined index: in /home/opensador/public_html/wp-content/themes/performag/inc/helpers/views.php on line 281 O autor demonstra como o excesso de proteção prejudica o desenvolvimento psicológico da criança, fazendo uma analogia entre família e estado. A mãe superprotetora impede que o ser em desenvolvimento entre em contato com seus medos e angústias, fazendo com que se transformem em adultos que não sabem como lidar com emoções desagradáveis. O resultado são neuroses, fobias, toxicômanos e até mesmo personalidades assassinas. É de Millôr Fernandes a frase que encabeça este artigo. Índio morre de gripe, pois, por não ter sido exposto aos vírus que a produzem, carece de imunidade contra essa afecção. A maioria dos vinte milhões de indígenas sul-americanos que faleceram durante o período de menos de trinta anos que se seguiu à conquista do México, não pereceu à custa das armas espanholas, mas dos vírus e bactérias importados da Europa e contra os quais não possuíam defesas. Enquanto, até o século XIX, a falta de higiene era responsável por enorme parte da mortalidade humana, o establishment médico de nossos dias começa a externar sua preocupação com a quantidade de crianças que, tendo sido submetidas a um excesso de higiene, ficaram tão limpinhas, tão limpinhas, que não conseguem desenvolver imunidade contra micróbios incapazes de vitimar as gerações que as precederam. A prática psicanalítica demonstra que análogo processo ocorre na dimensão psicológica. Digamos que uma mãe cujo filho acaba de lhe revelar seu medo de ser transferido para uma turma muito mais numerosa do que a em que anteriormente freqüentava reaja com um aparentemente benéfico comentário, do tipo: “Que bobagem, meu amor, você agora, em vez de poucos amiguinhos, vai ter muitos mais!” e que já outra reaja de modo diverso, respondendo o seguinte: “Ah, sim? O que exatamente lhe assusta na idéia de passar para uma turma maior?”. A maior parte das pessoas não se dá conta de que a primeira dessas mães está dificultando que filho entre em contato com o próprio medo e, com isso, reduzindo sua capacidade de processá-lo psicologicamente, para, a partir daí, desenvolver as imunidades que lhe permitiriam lidar adequadamente com ele. Já a resposta da segunda, ao facultar esse contato, abre espaço para tal processamento, favorecendo o desenvolvimento dos repertórios que permitirão melhor manejo daquela emoção. Com efeito, excesso de proteção contra o contato com emoções desagradáveis gera o que nós psicólogos chamamos de baixo limiar de frustração: uma falta de tolerância àquele tipo de emoções que leva o sujeito a ficar paralisado ou desorganizar seu comportamento quando defrontado com elas. A incapacidade de suportar emoções desagradáveis tem, pelo menos, três grandes efeitos, que listo do mais freqüente até o relativamente raro (mas não menos alarmante).Ela produz: a) personalidades neuróticas, principalmente fóbicas, incapazes de desenvolver suas potencialidades com plenitude; b) toxicômanos potenciais, em particular adolescentes, tornados altamente vulneráveis ao apelo das drogas por lhes fornecerem elas uma temporária proteção contra o sofrimento, com toda a conhecida e lamentável pletora de conseqüências associadas a essa enganosa proteção; c) assassinatos em massa, chocantes episódios nos quais alguém, o mais das vezes de classes privilegiadas, mas criado de forma a ser incapaz de tolerar as menores vivências de fracasso, sobe em plena luz do dia em uma torre e, sem nenhum ganho pecuniário nem de vingança pessoal, fuzila transeuntes desconhecidos para, em seguida, em vez de fugir, entregar-se à polícia ou atentar contra a própria vida. Corre entre os judeus a estória de que Golda Meir, a famosa premier israelense, soía brincar, dizendo que Moisés tinha sido, de fato, um grande líder, pois tinha conseguido tirar os judeus do Egito e levá-los para o único lugar do Oriente Médio onde não havia petróleo… E que tem petróleo a ver com supermães – ou pais – e infrafilhos? Para entendê-lo, façamos uso do seguinte trecho de entrevista concedida à revista Veja por José Murilo de Carvalho, um de nossos mais perpicazes historiadores: “VEJA – Lula ainda teve a sorte da descoberta do campo de petróleo de Tupi… Carvalho – … É uma boa notícia, mas também representa um alto risco, porque o petróleo pode ser uma maldição. Se as reservas forem do tamanho previsto e puderem de fato ser exploradas, haverá uma tentação muito grande: a de se usarem os recursos para fins paternalistas dentro do Brasil e em projetos aventureiros fora dele, como faz Hugo Chávez. Temo pelo afogamento da República num mar de petróleo, quando penso nas conseqüências internas: … um país transformado num imenso INSS, a antítese do ativismo cívico.” (Veja, ed. 2040, ano 40, n. 51, p. 15; grifos meus) Penso que, se a nossas considerações sobre a frase de Millôr acrescentarmos as de Murilo de Carvalho e as que se atribuem a Golda Meir, chegaremos ao consenso de que não apenas supermães criam infrafilhos, como também superestados criam infracidadãos. Parece que os fatos não comprovam o que o velho ditado latino quod abundat non nocet – o que abunda não prejudica – pretendia sustentar.