Matabicho Lingüístico By Bruno Maroneze / Share 0 Tweet Bom dia! Enquanto você matabicha aí, vá pensando: o que você acha da língua inglesa? Como te soa a língua italiana? Você acha a língua chinesa feia? Com certeza você já emitiu opiniões a respeito das várias línguas do mundo. Você já tinha parado para pensar por que você pensa isso dessas línguas? E em relação aos falares regionais brasileiros: o que você acha da pronúncia caipira? Acha bonita a pronúncia dos gaúchos? Acha irritante a pronúncia dos paulistas? E a dos cariocas? E afinal, onde vai dar isso tudo? "Japonês é uma lingua bonita, mas o chinês eu acho feio" "Francês é uma língua muito sensual" "Já o alemão não é nada sensual; imagine só uma alemã vindo falar com você daquele jeito!" "Eu queria aprender a falar aquele dialeto africano, sabe, que tem aqueles sons que parecem estalos" Essas frases eu ouvi um dia desses, pegando ônibus em São Paulo. Um grupo de amigos, umas três pessoas, conversava sobre o que eles achavam a respeito de várias línguas. Uma conversa bem comum no nosso cotidiano, não é verdade? Talvez você já tenha ouvido falar alguma dessas frases aí em cima, ou outras do tipo: "Inglês é uma língua pobre" "O espanhol tem uma sonoridade sexy" "Mas eu acho feio o espanhol da Argentina" "Árabe é uma língua dura" Ou qualquer frase do tipo "A língua X tem a característica Y". Nem preciso dizer que esse tipo de frase é totalmente subjetivo e anti-científico. Evidentemente, pessoas diferentes vão ter opiniões diferentes em relação à mesma língua. Mas existe algo em comum nesses enunciados, além de seu uso comum no nosso dia-a-dia: eles são altamente preconceituosos. Sim, preconceituosos. "Mas como", diriam vocês que estão matabichando aí, "as pessoas que falam isso apenas têm opiniões sobre as línguas, é algo normal". Claro, é algo normal, como é qualquer tipo de preconceito. O que eu estou querendo mostrar é algo tão óbvio que as pessoas se recusam a ver: as opiniões emitidas em relação à língua são na verdade opiniões a respeito do povo que a fala. Alguém que diz que a língua japonesa é bonita, mas a língua chinesa não está transferindo para a língua algo que ele pensa a respeito do povo: que ele acha o povo chinês "feio" (ou alguma outra característica negativa), mas não o povo japonês. A pessoa que diz que a língua alemã não é nada sensual está dizendo que não acha o povo alemão sensual. E assim por diante. Estou sendo muito radical quanto a isso? Talvez um pouco, sim, afinal todo mundo tem o direito de achar o que quiser sobre as línguas do mundo. Mas parem e pensem se não tenho alguma razão. Pensem um pouco a respeito das suas próprias opiniões em relação às línguas do mundo: vocês não pensam o mesmo em relação aos povos que as falam? E tem outra, quando ouvi aquela conversa fiquei com vontade de perguntar àquelas pessoas por que as línguas da Europa tinham nomes de línguas (língua alemã, língua francesa etc.), as da Ásia também (língua chinesa, língua japonesa etc.), mas as da África são dialetos (dialeto africano). Já comentei isso outra vez e não me canso de comentar: as línguas faladas pelos povos negro-africanos são línguas como quaisquer outras, e ponto final. Chamá-las de dialetos é uma tentativa (inconsciente, muitas vezes, claro) de inferiorizá-las. Essas opiniões a respeito das línguas são tão ou mais perigosas quando estendidas aos falares regionais. Quem nunca achou feia uma pronúncia considerada "caipira", por exemplo? Que paulista nunca torceu o nariz para o "sotaque carioca"? Perceberam? É nitidamente um caso de transferir para a maneira de falar os preconceitos que se tem em relação às pessoas. Outro dia me contaram que não sei que apresentadora de TV estava fazendo terapia fonoaudiológica (terapia, vejam só!) para "perder o sotaque" que era considerado "caipira". E que a televisão estava mostrando aquilo como uma atitude louvável, e até aconselhando que outros fizessem o mesmo. Meudeus! Isso deveria ser crime! Inafiançável, como qualquer atitude discriminatória! Imagine se alguém fosse fazer tratamento médico para deixar de ser negro. Absurdo, não é? E por que razão um tratamento para deixar de falar "acaipirado" é considerado altamente positivo? Ao estudar cientificamente a linguagem, eu fui aos poucos aprendendo a perceber a beleza de todas as línguas e todos os falares. Pude perceber que a riqueza de expressão é comum a todos: qualquer língua é capaz de expressar todas as nuances do pensamento humano, a arte, a ciência, as emoções, tudo. A linguagem também tem falhas, é claro; afinal, todos já experimentamos alguma vez na vida a sensação de "não ter palavras" para dizer algo. Mas essa falha também é comum a todas as línguas, a todos os falares. Por isso, hoje, quando alguém me pergunta "O que você acha da língua X?", eu só consigo responder "É uma língua. Funciona tão bem como todas as outras."