Blábláblá Homem-Aranha, blábláblá Vingadores…

Como um especialista em enrolar tornou-se fenômeno de vendas nos EUA.

Ultimate Spider-Man 13. Essa foi a revista que me deixou com um pé atrás para acompanhar qualquer coisa escrita por Brian Michael Bendis. E olha que esse foi o primeiro título escrito por Bendis com o qual tive contato: lembremos que, quando esta edição foi lançada, eu era um moleque de 16 anos que só acompanhava as séries que chegavam às bancas nacionais.

E esse moleque de 16 anos tinha começado a comprar a versão nacional do selo Ultimate Marvel um ano antes, movido principalmente pela ânsia de renovação – afinal, na época as revistas do Amigão da Vizinhança estavam bem fracas (as coisas não mudaram tanto assim…) e eu imaginava que uma abordagem mais moderna, como a proposta pelo novo selo, poderia recuperar minha fé nas HQs.

Desde a primeira edição, porém, percebi estar diante de um enrolador de primeira. Ultimate Spider-Man começou com Bendis gastando boa parte das 50 páginas de uma edição dupla em longos diálogos que não levavam a lugar nenhum, e levaria cinco meses até terminar de contar a origem do Homem-Aranha – história que foi originalmente apresentada por Stan Lee em meras 15 páginas, e já chegou a ser resumida em DOIS QUADRINHOS por outros escritores sem perder nenhum detalhe significativo. Para piorar, a versão dos X-Men criada por Mark Millar, publicada na mesma revista nacional, era infinitamente mais movimentada, tendo ótimas cenas de ação já na edição de estréia. As histórias dos mutantes, aliás, logo tornaram-se meu principal motivo para acompanhar o título.

Agüentei a enrolação de Bendis durante um ano, até que chegou às minhas mãos a fatídica edição 13. Resumo da edição: Peter conta à sua amada Mary Jane que ele é o Homem-Aranha. Só isso. Vinte páginas para contar uma história que pode ser resumida em uma única frase, como aliás eu acabei de fazer. Isso dá uma boa idéia de quanto tempo Bendis demora para contar histórias mais elaboradas…

Deixei de acompanhar a revista, até por outros fatores cuja enumeração não vem ao caso. E, mesmo sem contar comigo em seu plantel de compradores, o título seguiu vendendo bem. A ponto de Bendis ser chamado para escrever alguns dos principais títulos da Marvel, como Demolidor e Vingadores.

A passagem de Bendis pelo Homem sem Medo é talvez o grande momento de sua carreira. Ainda que com uma boa dose de sua tradicional lenga-lenga, o escritor conseguiu relembrar os melhores momentos das aventuras do herói cego. Mas falemos de sua campanha escrevendo os Vingadores. Pra começar, ele já chegou pondo a casa abaixo: após um polêmico arco que terminava na morte de alguns membros clássicos e uma subseqüente debandada da equipe, o escritor recriou os Maiores Heróis da Terra sob o nome de Novos Vingadores (mero pretexto para zerar a série e vender milhões de cópias de um novo número 1).

Os Novos Vingadores de Bendis tinham uma formação urbana demais, que parecia ter sido escolhida com base na popularidade de seus membros. Resultado: todos os membros do grupo eram necessários mesmo para missões teoricamente simples, como derrotar supervilões dos quais seus membros davam conta sozinhos sem dificuldades. (Para não citar que a enrolação continuava – muitas lutas dos Vingadores se estendiam desnecessariamente por várias edições. E o mais bizarro é que, consciente da própria encheção de lingüiça, Bendis chegou até a colocar o Homem-Aranha fazendo piadas sobre a longa duração dos combates da equipe…)

O grande problema dessa fase dos Vingadores, porém, é a falta de capacidade de Bendis para lidar com equipes. Quase todos os arcos de Novos Vingadores giram em torno de apenas um ou dois personagens, geralmente os menos famosos da equipe – dando a impressão de que pesos pesados como Capitão América e Wolverine (uma inclusão que muita gente, inclusive eu, não entendeu até hoje) só estão lá para ajudar nas vendas.

As vendas, aliás, vão muito bem, obrigado. Tanto que a Marvel criou um segundo título dos Vingadores e confiou-o a Bendis – que, claro, enrola feito um alucinado também na segunda revista. Com o agravante de ter passado a fazer uma longa seqüência de histórias juntando os dois títulos, forçando os leitores a comprarem dois títulos mensais para acompanhar a mesma história.

Depois de tudo isso, ainda vieram dois megaeventos anuais escrito pelo cara. Guerra Secreta manteve o estilo "muito papo e pouca história", e não levou a lugar nenhum, embora Bendis afirme que planejava sua Invasão Secreta desde que assumiu o título dos Vingadores, o que poderia ser confirmado por vários ganchos que ele espalhou (por acidente, como prega um amigo meu? Talvez) pelos títulos que escreveu para a Marvel nos últimos anos.

Invasão Secreta ainda está sendo lançada nos EUA – e, como quase tudo que leva a assinatura de Bendis, vendendo feito água a despeito da dose cavalar de lenga-lenga. Se bem que Bendis não deve levar a culpa sozinho neste caso: seguindo a tradicional política de "entreguem seu dinheiro" adotada pelas editoras americanas, quem quiser acompanhar a Invasão a contento terá que levar para casa nada menos que dez minisséries, além de todas as revistas dos Vingadores e algumas outras mensais que também se envolvem.

Encerrando, gostaria de deixar bem claro que não gosto do estilo enrolativo de Bendis mas tenho que admitir que ele tem seus méritos. Além da mencionada fase no Demolidor, outro bom exemplo de bom trabalho de Bendis é o título autoral Alias – que, antes que alguém pergunte, não tem nenhuma relação com a série estrelada por Jennifer Garner. E, na mesma Ultimate Spider-Man em que se revelou um enrolador de primeira, ele conseguiu fazer do tio Ben o melhor personagem da revista, fazendo com que realmente sentíssemos falta do velhinho e entendêssemos a dor de Peter diante da perda. Ou seja: o careca sabe escrever. Talvez seja simplesmente o caso de alguém lembrá-lo que ele não faz mais tiras.

O escritor, desenhista, tradutor, repórter, colunista e podcaster Tiago Andrade estará escrevendo sua coluna Mundo Quadricolor a cada 10 dias n’O Pensador Selvagem. Não deixe de conferir.

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Tiago Andrade