Navegando no Cotidiano By Luciana Santa Rita / Share 0 Tweet “[…]E se a inevitabilidade do esquecimento humano preocupa você, sugiro que deixe esse assunto para lá. Deus sabe que isso é o que todo mundo faz.” (GREEN, J. A culpa é das estrelas. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012, p. 19) A dor parecia conhecida, a mulher já tinha sentido em outros momentos, novamente sabia que tinha que segurar as lágrimas no banheiro e evitar demostrar os mesmos sinais de emotividade, mas aquela dor assustava até as cicatrizes de sua sensibilidade. Era uma dor natimorta. Naquele momento, entrou no carro e tentou dar partida, recebendo a brisa do final de tarde, pensou no que a mantinha acordada nos últimos meses e começou a chorar. Os sinais apresentavam a mesma vida sem graça ou as nuances de normalidade. Estava cansada e nostálgica, pois ao escolher, enfim perdera. Aquele instante era mais que a rotina que apresentava reprise diária, era renitente, uma razão deformada pela vida. Mas não se sentia livre. E o que se perdia naquela mulher era a memória. Um recomeço que não permitia uma nova estrada. Inconformada e melancólica não percebia o futuro. Camuflava as palavras. Não entendia o lado do seu coração esquecido. Ninguém a procurava. Apenas o silêncio dava retorno. Havia um lado avesso, os sentimentos eram fatalidades e vazios. A solidão era a companheira de viagem. Não havia mais motivos em lutar pela vida por conta própria. As vezes precisava mais do que um sonho. Ligou o rádio e começou a ouvir a “Stop This Train” de Jonh Mayer, nada seria diferente, pois a sequência se repetia durante todos esses meses e o final até chegar a sua casa, seria embalada por “Guaranteed” de Eddie Vedder, mas voltar para casa não estava nos seus planos e, assim, não conseguia suportar a velocidade em que o trem se movia. Não havia alguém para mantê-la em casa. Atravessar a cidade era contraditório, mas também o pensamento não a surpreendia com outra rota. Não havia o que pudesse alterar e nem mesmo pressentia a lembrança do cheiro do mar, que tanto tranquilizava o coração; não conseguia estacar as lágrimas que debatiam. Não havia silêncio em seus gemidos, não existia lucidez em seu desespero, havia, apenas, o sentimento de derrota que perdera o sentido. Sem olhar os ponteiros, dirigia em marcha lenta, atrapalhava o trânsito e não conseguia ultrapassar os sessenta quilômetros em plena avenida que cortava a cidade no início do rush. Procurou um acostamento que permitisse respirar, procurou uma conveniência que permitisse comprar uma coca-zero, mas percebeu que não tinha nem vontade de ligar a sinaleira para a direita. Talvez o cigarro fosse a melhor opção, mas já não fumava há mais de 10 anos. Sentia-se fugitiva em busca de uma saída. O vento em seus cabelos conduzia a única parte de todos os lugares que já tinha visitado. Sob o seu ser, estava uma estrada que desaparecia. Revisava o trabalho desmotivador, os montes indesejados, os leões ainda armados, as amizades incompreendidas, o amor desfeito, as ironias espalhadas e a corrupção do que não entendia. Mas só cabia a máscara de sonho para escapar das situações indesejadas. Passou pela avenida principal da cidade e se dirigiu a orla, estacionando, desligou a chave e abriu a janela para aspirar à brisa do início da noite. Todavia quando pensava que estava controlada, as lágrimas novamente inundavam a face e, como um longo inverno, não sentia a multidão que começava a caminhar sobre a orla. Percebeu o olhar sequencialmente do rapaz da banca de água de coco para a janela carro. Ele não encontrava respostas para o choro daquela mulher que queria se comunicar e manifestar a sua dor. Quanto mais chorava, mas se dirigia para longe na escuridão. Poucos minutos de olhares, proporcionou uma comunicação mútua de suspiros, de quem observava que havia algo errado, mas que não valia prestar atenção, pois sucedia o inevitável. Descobriu a solidão ao longo da multidão. Era um retrato ingrato do que poderia chamar de vida. Não queria pensar em esperança de dias melhores, de combates inúteis, pois nada alteraria o destino. A arrogância dos espertos era o final, a solidão desacompanhada era o ombro que não existia, a patética existência era confundida com os projetos que não realizava. Sob uma infinita tristeza, o momento dissipava as estranhezas e os olhos brilhavam em busca do silêncio que já conhecia. Ligou o carro e dirigiu a esmo pela orla, tentando distrair o mal-estar e pensando em resgatar os seus sonhos, mas a mesma paixão em si mesmo, alimentava apenas os desencontros e, logo, a dignidade de recomeçar se perdia. Aumentou o rádio e a mesma música repetia: agora nunca ia parar aquele trem, pois as regras se desconheciam. Havia criado expectativas, havia tentado descansar, mas a verdade era íntima e já começava a petrificar por meio das lágrimas. Resolveu então sair do carro e se dirigir ao carinho de sorvete, pois era uma alternativa de encontrar uma mesa para vencer a grande guerra, talvez descobrir em que estágio estava o câncer que a matava, tentar morfina para eliminar os tumores, aguardar a remissão para sobreviver ao desnudamento e, então, poder respirar. Uma hora passou rápido. E como se desejasse água, o degelo mostrava que era capaz de lidar com situações desconcertantes, sem necessidade de conflito por estar conectada ao seu próprio mundo. Sabia que ser mulher era uma força. Lutas foram recontadas. E assim, pouco a pouco, a mulher foi desvendando o enigma e o monstro que precisava matar, estava nela, como uma guerra dentro de si, o câncer era ela, e agora, sabia quem iria vencer. Olhou o relógio e percebeu o tempo que tinha destinado a sua dor. Enxugou as lágrimas com o lenço de papel que seu filho tinha deixado, após espirrar pela manhã. Não havia mais tempo para pensar no consolo não oferecido, pois tinha que pegá-lo no basquete. Virou o retrovisor, passou o gloss, sorriu para o espelho. Riscou tudo o que pensou. Alterou a agenda. Repudiou as batidas desordenadas do coração. Não se acusou. E no final a mulher se curvou e lembrou que não era adjetivo da perfeição e, assim, teve a certeza que estava vivendo. Nesse final de semana li o livro “A culpa é das estrelas”, o qual descreve a estória dolorosamente bela de Hazel, paciente terminal, que acompanhada de um cilindro verde de oxigênio encara a verdade de frente e impede o efeito colateral de se estar morrendo. Acredita que se não vai sobrar ninguém para se lembrar de Aristóteles ou de Cleópatra, quanto mais de si. E no final do momento da mulher só cabia Júlio César, personagem de William Shakespeare, que diz: “A culpa, querido Brutus, não está nas estrelas, mas em nós mesmos.”