Navegando no Cotidiano By Luciana Santa Rita / Share 0 Tweet Diz um texto desconhecido e que tenho dúvida quanto a sua veracidade, denominado Código de Honra da Mulher Celta: “(…) Jamais permitas que o teu coração sofra em nome do amor. Amar é um ato de felicidade, por quê sofrer? Jamais permitas que teus olhos derramem lágrimas por alguém que nunca te fará sorrir. (…) Jamais permitas que o teu tempo seja desperdiçado com alguém que nunca terá tempo para ti. (…) Jamais permitas que paixões desenfreadas te transportem de um mundo real para outro que nunca existiu. E, sobretudo, jamais permitas que tu mesma percas a dignidade de ser mulher”. Não quero no Dia Internacional da Mulher, dedicar um backing vocal, ser diva da dor feminina ou “vaticanizar” homenagens ilusórias, mas duvido que se exista esse tal Código de Honra da Sociedade Celta, ele consiga ocupar primeira posição no New York Times, principalmente, no entendimento do que é ser mulher nos dias atuais. Segundo os clássicos gregos e romanos, as mulheres celtas não se desfaziam em lágrimas quando as crises chegavam. Penso que essas mulheres não tinham que pagar as contas todos os meses, não tinham que suportam o dia enfadonho de criar solitariamente os filhos ou mesmo se manterem magras para assinarem um contrato cheio de regras para o Miss Universo. Não tinham, talvez, que fraudar o bilhete do desespero da crise de pânico noturna ou mesmo invejar as silhuetas do BBB. Para Philip Freeman (2006), as mulheres da Gália possuíam igualdade ou mesmo superioridade em relação aos homens, independente de períodos de paz ou de guerra. Não duvido que naquele período, o cansaço do ônibus, as fofocas da vizinha, a inveja da cunhada, a indireta de roubo do chefe ou a certidão negativa vencida da receita federal não a levassem diretamente do barraco ao botequim. Isso significa que não havia poder terapêutico para se escrever uma tese científica, bastava apenas procriar homens que nem mesmo precisariam aprender a escrever. Aliás, muito menos manter segredo dos vestígios da enxaqueca, antecipar a secagem do único uniforme escolar do filho ou corrigir silenciosamente o jeans do lado errado quando o outro esquece até as datas comemorativas frente ao videogame. Talvez, não precisasse desculpar os eternos “não me lembro” ou não cometer exuberâncias no desejo do outro para sexo a cada turno. Não precisavam nem entender de mulher melancia ou dieta da sopa. Em um universo inteiro de possibilidades feministas, se remetidas às mulheres gregas e romanas, as mães, esposas e filhas dos celtas refutavam de uma posição impar de glória e responsabilidade. Há sutilezas que reforçam como era fácil ser uma mulher celta, seja pelo cartão de crédito que não levava a perda do sono ou pela prestação da casa que não conduzia ao mosteiro do parcelamento vitalício. Penso que não tinham que ter sabedoria emocional para comentários sarcásticos da sogra insana ou mesmo ter que refazer a vida após o terceiro divórcio ou traição após 20 anos de casamento.Não precisavam tomar emprestada a renúncia da TPM no domingo em meio ao Faustão. Não precisavam se fingir de mosca morta quando os pseudos amigos ironizassem a sua fala. Na sociedade celta, as mulheres se casavam cedo e não existiam ninfas, lobas, coroas e até infiéis casadas, dispostas a seduzir o parceiro alheio. E, se houvesse essas mulheres solteiras não eram lindas, turbinadas com silicone, malhadas, analisadas by Freud e Jung, viajadas, com emprego estável e, algumas delas, investidoras da bolsa. Não havia modelo recente da Louis Vitton. Não acho que a mulher celta teria uma sobrevida nos dias atuais, mesmo se fossem as grandes rainhas históricas (Boudicca e Cartimandua), bem como as mitológicas (Maedbh e Rhiannon), pois se naquele tempo era possível atestar a supremacia política e social da mulher entre os celtas, hoje a mulher não tem direito à repescagem, pois a lei da oferta e procura não permite a menor cobrança do seu papel e a substituta da mesa vizinha do trabalho dá conta da rotina, seja doméstica ou sexual. Aliás, sexo frágil perdeu espaço para sexo Cinquenta Tons de Cinza. Por outro lado, as mulheres celtas como Fedelm e Niamh apresentam sua força como sacerdotisas. Talvez eu pense racionalmente, mas a segunda chance não vem mais escrita nas estrelas do tarô, pois hoje o homem não suporta a intuição feminina, principalmente, quando se descobre a mentira do dia do futebol ou do não retorno da ligação. Olhar para o relento lembrará a pressão e a pedida da saída à noite desengana a paciência de um amor fora da realidade. Paixão incondicional virou sinônimo de porta-retrato afetivo. Outro dia li um artigo do psicólogo James MacKillop, um dos maiores conhecedores da cultura celta, que contemplava a seguinte mensagem: “As deusas celtas são o retrato fiel da complexidade humana tangida pela imortalidade”. Em seus escritos, existe a tríplice da deusa na referência de Macha, Badb e Morrighan, divindades que espelham, concomitantemente, fertilidade e soberania. Essa tese acima me permite mais uma vez desassociar as sutis diferenças em relação às mulheres celtas à medida que clinicas de fertilidade desorganizam o tapete vermelho da fama feminina, sem martini e azeitona, sobrando apenas Red Bull e Absolut nas baladas ao som do sertanejo universitário. Outros autores destacam, ainda, que os direitos das mulheres celtas marcaram, principalmente, as leis irlandesas e, destacam que a união de um casal poderia ocorrer de diversas formas, inclusive, a mulher podendo exercitar a bigamia.Nunca conseguiríamos essa moleza, nem com leis, pois já existe seleção natural na espécie masculina. Todavia o ponto maior da cultura estava na beleza das mulheres celtas, pelo ar elegante, roupas e adereços, joias preciosas, que a título de exemplo lembra o mito da Rainha Maedbh, em que “jamais teria se deitado com um homem sem que houvesse outro a esperá-la na sombra”. Talvez, hoje seria sinônimo de efemeridade e distração felina que estraçalha a vida com a distância dos versos de Vinicius: “que seja infinito enquanto dure”. Pensando na mais fiel definição da mulher, me pego indagando que tantas metáforas para o dia da mulher levam a tese de que a mulher deveria nascer pra ser valente como Joana d’Arc, crescer para ser bela como Marilyn Monroe, viver para ganhar um Nobel da Paz como Madre Teresa de Calcutá, estudar para ser feminista como Maria Montessori, escrever para ingressar na Academia Brasileira de Letras como Raquel de Queirós e morrer para ser imortal como Evita Perón. E parodiando Simone de Beauvoir: “Se a mulher foi, muitas vezes, comparada à água, é entre outros motivos porque é o espelho em que o Narciso macho se contempla; debruça-se sobre ela de boa ou de má-fé. Mas o que, em todo caso, ele lhe pede é que seja fora dele tudo o que não pode apreender em si, pois a interioridade do existente não passa de nada e, para se atingir, ele precisa projetar-se em um objeto. A mulher é para ele a suprema recompensa porque é sob uma forma exterior que ele pode possuir, em sua carne, sua própria apoteose”.