a ubiquidade é a nossa idade.

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Todos estamos velhos e somos jovens ao mesmo tempo, em toda parte, a ubiquidade é a nossa idade.
 
É a idade destes tempos e seus espaços, que muitas vezes nos apresentam as exigências de onipresença e de conexão absoluta, de interação exacerbada e respostas instantâneas, somadas à cobrança de um contínuo mergulho no oceano informacional fragmentado que nos cerca. Um dia fora da rede, e muitos já se sentem tal como um peixe fora d’água.
 
Conectar, navegar, interagir, compartilhar, ocupar, curtir, derrubar, entre outros, figuram como verbos de ação e de reação, a reger e modular distâncias, proximidades, velocidades, lentidões e também as diversas modalidades de estar presente e do (con)viver junto.  Verbos estes que podem funcionar:
  • como vetores de produção de sentido, motes de resistência e de construção de experiências potencializantes e libertárias;
  • assim como, tal qual palavras de ordem nada generosas, disciplinar movimentos, fomentar micro-fascismos e fortalecer os já muito agudos modos de controle.
 
Afinal, tratar-se-ia de um devir ou de um dever (este segundo termo aqui utilizado no sentido de obrigações e também das dívidas)? A ingenuidade não pode ser a nossa idade.
 
Protelar o inadiável é o contrário de construir um outro mundo possível. Quando as urgências desse mundo chegam à palma de nossas mãos que carregam o fardo quase imperceptível das telas animadas por gadgets miraculosos em rede, cujo brilho às vezes ilumina, noutras ofusca a nossa percepção, somos convocados à ação. Estamos conectados, mesmo quando alienados. Conexão mediada por maquinetas com gadgets acoplados, que permitem a cada um de nós, nos tornarmos espécies de ciborgues, mezzo reais, mezzo digitais, atiçando as nossas virtualidades.  Uma espécie de devir-ciborgue, conforme Donna Haraway e os desafios das “sempre novas” configurações de territórios existenciais que irrompem no desenrolar do que as tecnologias “sempre vindouras” nos prometem e (nos fazem acreditar que) serão capazes de cumprir.
 
Redes digitais que midiatizam redes sociais, cujas virtualidades permitem que alguns digam, muitas vezes no limite do que se pode fazer em 140 caracteres: “não sou eu, é meu eu lírico”, ou melhor “não sou eu, é meu avatar”, ainda mais interessante “não sou eu, estou legião”. Onde estou e quem sou têm menos importância do que os traços digitais de minha mobilidade, que deixo a partir das navegações e conexões que estabeleço, seus efeitos e consequências.  Marchas aqui e acolá são animadas e organizadas por diversos meios. Conforme o alerta de Deleuze e Guattari “Não nos falta comunicação, ao contrário, nós temos comunicação demais, falta-nos criação. Falta-nos resistência ao presente.” Marcham as multidões, marcha o soldado, mas em que ritmo são cadenciadas estas marchas? – eis uma pergunta sutil.
 
Pro-tela-r? Telas, por todos os lados e o tempo todo, lá estão elas. Avistamos as telas e seu brilho (e elas nos avistam), isso me lembra George Orwell e as teletelas de 1984, e talvez algo da ordem de um Big Brother esteja a nos vigiar ao mesmo tempo em que multidões disputam os holofotes querendo ser vigiadas.  – Vaidade?“Alice, muito cuidado para não se perder do outro lado do espelho.” – E se antes as telas exigiam “apenas” o nosso olhar, hoje demandam o nosso toque.
 
Telas sensíveis, que querem ser tocadas, mas que tipo de sensibilidade é essa? Antes ficávamos “cheios de dedos” (i.e.: embaraçados; atrapalhados; indecisos; hesitantes) perante o brilho das telas e temíamos tocá-las, hoje lançamos nossos dedos com volúpia e aparente desenvoltura, a tocar as telas esperando por novidades, ansiosos por mudanças (de tela, ou de quadro, ou de realidade, ou de imagem). Temos a sensação de que somos capazes de movimentar o mundo com a ponta dos dedos, feito o ditador de Chaplin ao girar o globo terrestre. São quantos os dedos dos insurgentes e em que direção estariam a apontar?
 
Recordo-me de uma cena que avistei num aeroporto dia desses. Uma criança caminhava ao lado de um adulto e tocava todas as telas de publicidade que encontrava pelo caminho, ao mesmo tempo em que esboçava impaciência e desanimo ao perceber que aquelas “antiquadas” telas não se moviam, e nada acontecia após cada toque. Não se tratava de telas de publicidade interativa, especialmente na visão daquela criança.
 
 

No trabalho, nas práticas de ensinar-aprender, no lazer, pelas esquinas, à guisa de alguns exemplos, nos tornamos semideuses multitarefeiros da onipresença, mesmo no ócio.  Onipresença quase sempre rastreável por nossas pegadas digitais que marcam uma presença, mesmo quando não nos fazemos literalmente presentes, representados que podemos estar por avatares e também pelos lampejos de nossas virtualidades cristalizadas nas telas. Podemos estar aqui, acolá e em lugar nenhum, em uma espécie de “estar presente sem estar lá”, conforme apontamentos de Virilio. Na medida em que o lugar se torna qualquer lugar e simultaneamente lugar nenhum no embaralhado de referência física, as condições de experiência e de sensibilidade se transformam, e os espaços-tempo híbridos se enaltecem. E haverá o dia em que as telas serão substituídas por outras soluções de usabilidade mais atraente, vide hologramas e afins. Esse dia já está chegando, diriam as telas “o fim (das telas) está próximo”… já chegou (mas não por completo). Mas o problema não está nas maquinetas, e sim nos usos e nos conceitos acoplados a elas.
 

O ciborgue que nos habita é coabitado por gadgets miraculosos e sistemas de interação ativados por inteligência artificial cada vez mais espantosa, que fazem com que o próprio conceito de inovar careça de se inovar e de se renovar constantemente para não caducar. Alguns temem a caduquice, outros procuram no Google o significado desta palavra (ou palavara, pois que nos cutuca, nos desassossega), e podem acabar caducando frente às respostas limitadas deste grande oráculo dos dias de hoje. – Ainda nem bem aprendemos como fazer perguntas e já nos entulham com respostas, eis o perigo iminente da caducidade.

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Rogério Felipe