Pão de Queijo com Chucrute By Ariadne Rengstl / Share 0 Tweet Para quem não sabe, dia 17 de julho teve um jogo decisivo do Campeonato Europeu entre Alemanha e Portugal, a tal classificação para a semi-final ou algo parecido. Digo “para quem não sabe” porque se eu não vivesse por essas bandas, nunca saberia. Não gosto de futebol e sempre achei a obsessão de certos fãs um tanto imatura. Bem, digamos que um grande número de nossos compatriotas são sim torcedores ardorosos e que ardor demais às vezes causa incidentes um tanto vergonhosos, como por exemplo o apedrejamento de jogadores derrotados num campeonato mundialmente relevante. Não vou dar nome aos bois porque não tenho gabarito para tanto, portanto retorno ao ponto: Campeonato Europeu. Parte 1: À Espera do Barulho Faz doze anos que a Alemanha não vence tal competição que, ao olhar do europeu, é tão importante quanto a copa, e os torcedores daqui estão enlouquecidos para levar a vitória para casa, principalmente depois do ocorrido na última copa do mundo, e na penúltima também. De novo, para quem não sabe, a Alemanha chegou à final nas duas ocasiões, e perdeu duplamente. Drástico? Sim. Se meu marido não fosse alemão eu não me aborreceria. Mas como ele não é de ferro – nem de aço – ele torce e sofre. E como todo torcedor alemão, após a derrota ele pondera, releva, conclui, perdoa e volta a torcer no próximo campeonato. Arduamente? Sim. Mas tal palavra parece ter um significado difente por aqui. Explico. Na copa de 2002 fui convidada para assistir à final Brasil X Alemanha na residência de um amigo aqui na Alemanha. Ao chegar fui recebida com uma alegria irônica, afinal não é todo dia que o torcedor do oponente – no meu caso apenas “representante” do oponente – está presente num episódio tão decisivo quanto aquele. Mal cheguei e me entregaram uma camisa do time brasileiro, um amarelão com o nome Ronaldinho – aquele que virou “Ronaldo, o fenômeno”- estampado, e a qual recusei vestir. Eles insistiram, mas não a vesti de jeito nenhum! Meu instinto de preservação falou mais alto: e se o Brasil vencer? Vai saber até onde chega o ardor do torcedor alemão irritado. Resumindo, a Alemanha perdeu, e senti um alívio imediato por não estampar as cores da vitória em meu peito. Também tive que conter um quase explosivo cinismo vitorioso, aquele sorrisinho malicioso, e iniciar as condolências imediatamente. No fundo eu queria mesmo era tirar sarro daquele bando de marmanjo que se lamentava por causa de um joguinho – algo que acabei fazendo mais tarde – mas a onda da decepção é tão contagiante quanto a da vitória. Senti pena e me senti compelida a consolá-los. O importante é que não fui linchada, nem xingada, nem nada. Aquilo era apenas um jogo e logo a onda da derrota já havia passado dessa pra melhor. Que venha 2006. Eis que chega a copa 2006, sediada pela Alemanha, onde o furor da torcida tomou contornos mais vigorosos. O medo do oponente brasileiro tornou-se uma constante, por motivos óbvios, mas a cada vitória – e principalmente com a derradeira derrota do time brasileiro – os Alemães se enchiam mais de orgulho e esperança: a vitória em casa estava para se tornar realidade. Com um time mais que competente – é o que diziam por aqui – um verão espetacularmente quente, o país cheio de visitantes-torcedores estrangeiros e o furor contagiante da torcida alemã, o país se transformou como um todo, tanto internamente como internacionalmente. Um povo que a muito tinha deixado de celebrar a sua pátria por remorso e vergonha de uma mancha ultra-nacionalista, finalmente percebeu e mostrou ao mundo que o passado não deve ser esquecido, mas que o presente pode e deve ser celebrado. E a grande celebração – mesmo que incentivada pela mídia – acendeu um lado deste país que eu nunca tinha visto antes. Rostos pintados, bandeiras em mãos, roupas na cor da pátria, povão na rua e até mesmo muita buzina após a vitória, tudo isso entrou no mitiê dos fãs. Esta nova atitude foi completamente diferente da observada durante a copa 2002. Eu aproveitei, buzinei pela vitória alemã até a mão cair, afinal, na região onde moro nunca se tem oportunidade de fazer tanto barulho. O silêncio é lei, o cidadão a obedece, mas no “verão dos contos de fada” – ou “Sommermärchen” – ele pode e deve ser quebrado. E eu me esbaldei. Ainda assim, o ardor do alemão é contagiante, mas não extrapola. É tempo de festa, mas ainda há regras básicas a ser preservadas. Fogos de artifício são tolerados apenas no réveillon, com seu barulho ensurdecedor e poder muitas vezes destrutivo, eles não têm lugar nessa festa do futebol. No interior a celebração é ardente, mas do jeito alemão de ser. Infelizmente a Alemanha saiu derrotada na final contra a Itália, em 2006. Eu assisti ao jogo e sofri. Sofri por que a Alemanha perdeu tão injustamente – achei injusto, mas jogo não é pura sorte? – porém, sofri mais ainda porque a festa, a celebração, a alegria contagiante que a todos unia, de uma forma tão especial e inédita, estava para acabar. Naquele dia não buzinei no meu caminho para casa. Também não vi mil pessoas nas ruas sorrindo com rostos pintados de preto-vermelho-amarelo. A catarsis coletiva chegava a um fim abrupto. Infelizmente. O segundo lugar foi celebrado mesmo assim, timidamente, porque todos reconheceram a grande alegria que havia inundado o país por tanto tempo. Mas o gosto da vitória e mais um dia de barulho e festa, nem eu queria perder. Enfim, é assim a realidade do jogo. Um pouco é tecnica, um pouco é estratégia, e a maior parte é sorte. Muita sorte. Nós brasileiros tivemos técnica, estratégia e muita sorte cinco vezes. E quando não temos, é pau nos caras? A vitória é uma ilusão, pois se basea na premissa de que é impossível vencer sempre. Mas a meu ver, esse prazer passageiro, essa impressão momentânea de ser o melhor e o orgasmo coletivo que a segue devem sim ser celebrados, afinal amanhã podemos não ter a chance de fazê-lo. De acordo com as estatísticas a Alemanha sempre venceu o campeonato europeu nos anos em que também venceu a primeira partida do mesmo. Isso ocorreu nas três vezes em que foi campeã européia. Sendo assim, o fã alemão tem uma vantagem lógica, e ao mesmo tempo supersticiosa, em que se apoiar, já que este ano a seleção alemã venceu o primeiro jogo. Sei que nem estatísticas nem superstições vencem um campeonato, mas mesmo assim ponho fé para que tal previsão se concretize, afinal, não quero perder a chance de fazer barulho mais uma vez. Dias depois Parte 2: Eu queria celebrar, mas… Então, após vencer a semi-final contra a Turquia – num jogo pra lá de tenso – a Alemanha chega novamente à final de um grande campeonato (dia 27 de Julho) e mais uma vez deixa seus fãs na mão: Espanha é a campeã deste ano. E barulho que é bom, acho que só na próxima reencarnação, pois já que meu coração não agüenta é melhor acabar por aqui essa minha carreira de “fã amadora” e deixar o time alemão e o futebol exclusivamente nas mãos dos fãs alemães e no pé do nosso penta-campeão.