O Primeiro Dia de Aula

Na Universidade
No Brasil ou na Alemanha o primeiro dia de aula numa universidade é igualmente apreensivo para qualquer calouro, mas são as pequenas – e grandes – diferenças que os transformam num reflexo simbólico dos anos de estudos que estão por vir.

O Primeiro Dia de Aula no Brasil

A sala: Era verão, o sol brilhava lá fora, os pássaros cantavam e eu tentava encontrar meu caminho pelos corredores abertos da universidade de tijolos vermelhos. Neste meio tempo encontrei um futuro colega e nos pusemos a procurar a sala de aula juntos. Alí todas as salas eram espaçosas e tinham portas que davam para corredores abertos e muitas, muitas janelas. Uma parede só para janelas.

Os colegas: Ao chegarmos à nossa sala, encontramos outros calouros e nos envolvemos em apresentações e bate-papos descontraídos. Quando o professor chegou, meus colegas e eu já nos conhecíamos por nome, cidade natal e endereço. Entramos todos juntos, ouvimos o professor juntos, estávamos no mesmo barco e dividiríamos as mesmas experiências pelos próximos quatro anos. Muitos pareciam realmente interessados em dedicar-se plenamente aos estudos, mas alguns já refletiam no olhar a premissa do “entrei de gaiato no navio”.

O professor: Competente, apresentou-se e discorreu sobre o curso e a ementa. Como a aula era prática, levou-nos para conhecer os laboratórios disponíveis, tirou dúvidas, ilustrou conceitos e nos deixou ir um pouco mais cedo que o esperado. Tinha outros compromissos, ou seja, tentava ser competente mas não se dedicava exclusivamente ao posto que ocupava.

As exceções: Não há exceção quanto às salas de aulas. Todas elas tinham janelas, apesar de o sol brilhar sempre, de a chuva ser quente e podermos nos aquecer lá fora no inverno, sob os raios do sol. Já os colegas, tudo o que começou tão bem, logo se desfez. Tanto tempo juntos, todos os dias do ano letivo por quatro anos de curso, fez-nos conhecer cada um um pouquinho melhor para enfim escolhermos aqueles que nos eram mais caros. Apesar de tanta união, apenas alguns laços de amizade duraram mais tempo, mas só pelo fato de terem sobrevivido à sala de aula.

Agora os professores. O primeiro é quem foi uma das poucas exceções à regra da mediocridade e malandragem de muitos outros. A cada semestre a primeria semana de aula era vista pela maioria como “mais uma semana de férias”. Nenhum conteúdo dado, apenas bate-papo e tchau. E mais não digo pois seria injusto para com os professores de verdade, que ainda hoje admiro profundamente.



O Primeiro Dia de Aula na Alemanha

A sala: Era primavera, o sol brilhava lá fora, os pássaros cantavam e eu tentava encontrar meu caminho dentro da universidade de concreto, em meio a labirintos subterrâneos escuros e intimidantes. Após longa procura, finalmente encontrei o local onde teria minha primeira aula: uma pequena sala de tijolos vermelhos e, como tantas outras, sem janela. Sim, sem janela. Um ambiente completamente lacrado, claustrofóbico, minuciosamente arquitetado para evitar que o “conteúdo aprendido” – ou quarquer aluno – fugisse pela janela. Mais um mistério que nem a arquitetura pós-moderna conseguiria explicar.

Os colegas: Dentro do cláustro, as mesas contornavam-no como um “u” de forma a deixar o espaço central e a área do quadro negro livres para os professores darem seu show. Sentei-me, então, na perna esquerda do “u” e esperei em silêncio. Enquanto meus novos colegas chegavam pude perceber que seu desinteresse em socializar-se com os demais era generalizado. Os que se sentaram ao meu lado pediram permissão para fazê-lo, disseram um tímido “oi” e só. Alguns já se conheciam e formaram pequenos grupos de dois ou três, mas a maioria continuaria a se ver como estranhos até o fim do semestre. Enfim, todos pareciam se concentrar unicamente em aprender e se dedicar plenamente aos estudos e nada mais.

O professor: Meu primeiro professor era legalzão, mas isso não o impediu de seguir as regras: apresentou-se, expôs e discutiu a ementa, distribuiu tópicos para apresentações, dividiu os alunos em grupos, revelou as datas de provas e entrega de trabalhos, apresentou o material que seria usado no curso (livros, coleções, textos, etc) e as datas em que seriam discutidos – normalmente um texto/compêndio de textos/livro por aula – e quando acreditei estar finalmente livre da figura naquele “primeiro” dia de aula, ele começou a aula “per se”, e só se calou um minuto após o fim do horário.

As exceções: Mais tarde descobri que muitas outras salas da universidade têm janelas. Felizmente. Alguns poderiam insistir que no inverno é melhor não ver o dia cinza lá fora, mas acredite, no inverno qualquer rainho de luz que atravessa as espessas camadas de nuvens é uma benção muito bem vinda. E no inverno ou no verão, ouvi repetidas vezes professores reclamando da falta delas – “com este calor e nós aqui sem janelas” – ou celebrando sua existência – “a sala é pequena mas pelo menos temos janelas”. Ainda assim, o número de cubículos fechados é expressivo e incompreensível. Uma vergonha para aqueles que planejaram uma edificação tão grandiosa, cinzenta e disfuncional.

Quanto ao estranhamento entre alunos, o desinteresse em fazer amizades é reforçado pelo sistema modular que os permite fazer o curso que quizerem, quando quizerem. Desta forma é impossível encontrar o mesmo grupo de estudantes fazendo dois cursos distintos. Alguns laços de amizade duram mais tempo, mas apenas porque se extenderam muito além da sala de aula. As amizades conseguidas são poucas, mas os corredores estão sempre lotados de pessoas das quais nem mesmo nos recordamos mas que insistem em nos cumprimentar, e de outras, das quais nos lembramos e que insistem em nos ignorar.

Já os professores são em sua maioria esmagadora muito competentes. Eles seguem as regras, mas para a alegria de todos há exceções no sistema. Umas boas e outras nem tanto, como por exemplo os professores que exigem a leitura de livros durante as férias para estarmos preparadíssimos para a primeira aula. Os cursos que fogem à regra são aqueles que não exigem apresentações, nem trabalho “forçado” em grupo. Alguns professores preferem receber apenas um trabalho final no lugar de dar um teste, ou vice-versa. As regras variam dependendo dos professores – como no caso de seminários adiantados que são livremente formulados pelos docentes – ou do próprio curso, como por exemplo, cursos expositórios ou de gramática que seguem sempre a mesma fórmula e critérios de avaliação, ou seja, aplicam uma prova final.

Apresentações e trabalhos escritos parecem inconvenientes, mas as provas propõem um desafio muito mais ameaçador. Normalmente elas são todas marcadas para o derradeiro dia de aula, ou seja, a última semana do semestre periga estar abarrotada de testes, uma experiência inesquecível na vida de qualquer estudante, principalmente quando ele faz dois ou mais cursos no mesmo dia da semana. Porém, como o planejamento de horário e escolha de cursos depende livremente do estudante, fica fácil contornar esse problema desde que, antes de inscrever-se, ele leia atentamente nos guias de aulas o que o professor e o curso requerem do aluno durante o semestre. Assim o primeiro dia de aula não deixa de ser trabalhoso, mas pelo menos não se torna uma surpresa problemática.


Conclusão

Os dois primeiros dias de aula descritos acima refletem parcialmente o caminho que tomou minha vida universitária e também como é o sistema de ensino superior de dois países tão distintos. No Brasil tudo parecia mais tranquilo, amigável e até mesmo fácil. Na alemanha, longe de casa e daquilo que acreditamos dominar, tudo exala um clima mais austero, de maiores expectativas, dificuldades e exigências. Mas no fim, não importa onde, o que conta é quem nos tornamos e o que faremos com toda a experiência que acumulamos em anos de estudos. E esta é apenas mais uma conclusão sobre fatos da vida. Uma opinião tão subjetiva quanto o relato de minhas esperiências nas universidades da vida.

 

Foto: Wikipedia.de

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Ariadne Rengstl