Natal Natal!

Não se verá momento melhor de se verificar no nosso cotidiano a tese de Roberto Schwarz – das ideias fora do lugar- do que no natal que se comemora no Brasil. Um festival completo dos absurdos mais atordoantes reunidos na comemoração da data mais importante do calendário dos brasileiros religiosos, ainda que alguns nem tanto.

Calhando de cair num final de dezembro, logo no início dos verões que se tornam mais e mais infernais, o natal é comemorado como se estivéssemos num inverno siberiano. Minha agonia ao ver um pobre coitado vestido como papai noel europeu ou americano, calçando botas, luvas e vestindo casacos cobertos com pelica sob um calor que não raro chega aos 40 ° C só não é maior do que a do próprio trabalhador necessitado.

Tudo é importado, sem a menor consideração com a realidade local. Peru, tender, castanhas importadas – há quem procure por avelãs – e mais as passas e as frutas cristalizadas que recheiam os panetones: tudo importado de lugares que são muito primeiro mundo. Até a famigerada música que escuta na época é importada: Noite feliz é austríaca e Bate o sino, americana (e nem é natalina – foi composta para o dia de ação de graças).

Claro que o suposto aspecto religioso fica sempre em segundo plano. Come-se à farta, bebe-se como se não houvesse amanhã. O álcool começa a agir: há riso, e depois choro e ranger de dentes. A família hodierna divide-se ainda entre lulistas e bolsominions, e a tradicional discórdia natalina multiplica-se. As piadas sem graça do tio arquetípico são atualizadas com os memes e vídeos igualmente sem graça do zapzap.

Porém, em alguns lares, às vezes acolhido sob a árvore de natal, há um pequeno presépio com um jesus cristinho de cabelos dourados numa manjedoura coberta com palha. Um símbolo da origem humilde de Jesus, que logo em seguida será contrastada com a exibição da suntuosa missa do galo conduzida pelo Papa Francisco na basílica de São Pedro. Do Jesus na manjedoura filho de mãe solteira refugiada para o Cristo majestoso coberto pelo esplendor do ouro e do mármore é um salto que nunca consegui acompanhar, mas, aparentemente, tal contradição entre pobreza extrema e opulência obscena nunca foi um dilema para os espíritos dos cristãos endinheirados ou não. De sorte que o consumismo extremo que infesta nossa sociedade não chega a estar em desacordo com o chamado espírito natalino de católicos e evangélicos.

Se a grama do vizinho é sempre mais verde, a grama do vizinho europeu ou americano é verdíssima, por mais fora de lugar que ela esteja se plantada no solo brasileiro.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.