Ruminações: Brasil perverso


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O que seria de um deus que não conhecesse a ira, a vingança, a inveja, o desprezo, a artimanha, os atos violentos, que não tivesse conhecimento do ardor fascinante da aniquilação? (Nietzsche, em O Anticristo)

A violência latente. A ameaça de agressão sempre no horizonte de possibilidades. Nossos amigos não são tão violentos. Nossos vizinhos não são tão violentos. Nossos pais não são tão violentos. Nossos filhos não são tão violentos. Eu não sou tão violento.

Perversão vem de pervertere, que quer dizer virar para o lado errado. Há uma bifurcação no caminho, e escolhe-se o caminho errado. Há quem necessite fingir que se segue no caminho correto, mesmo sabendo da má escolha. Mas a perversão aconteceu. Saímos da via reta.

Rede de destruição, fome de destruição, raiva de destruição (José Bonifácio), alucinação que desemboca na destruição, niilismo dos cristãos, dos homens de bem e de bens, cegueira nervosa: meu bolso é meu pastor, minha conta bancária é minha régua moral.

Antes um assassino do que um ladrão. Não me incomoda a tortura, desde que o torturado não seja um dos meus. Ou, se for, ele ou ela fizeram por merecer. Se apanhou, ele ou ela sabem o porquê. Vagabundo não é inocente. Baderneiro não é inocente. Ativismo nunca é inocente. Estudante estuda, trabalhador trabalha, e fim de papo. Tudo além disso é vontade de tumultuar, é baderna, é desprezo pela ordem e pela disciplina. Para esses encrenqueiros, a porrada.

A violência é capital na sociedade arcaica. E o que é nossa sociedade senão arcaica? A natureza é violenta, e caprichosa. Nosso deus é, portanto, violento e caprichoso. E nós que cremos nele seremos o quê? Mansos?

Os cadáveres seguem entre nós. Os necrófilos são os homens de bem e dos bens: fazem questão de que os mortos continuem entre nós, para exercer sua tutela do não. A tutela de papai. O passado que não se enterra, porque é repulsivo demais lidar com ele. Carrascos. Verdugos. Capitães do mato. Delegados. A tigrada está no poder. Gente perversa.

A apoteose do torturador. O torturador distribui suas graças entre nós. E retribuímos, amando ao torturador. Ele, que ama infligir a dor. E nós, que amamos ver a dor ser imposta aos outros, em nós mesmos.

Aqui, impera a lógica do botequim do fim do mundo: nada é barato, não há variedade, os produtos são de qualidade duvidosa, o tratamento é rústico e brutal, o cliente será necessariamente enganado, e que se fique satisfeito com isso, porque senão o pau come e a lenha desce. O armazém do cu do judas, é o que nos orgulhamos em ser. E queremos que o mundo nos aceite assim, nos engula assim, essa carne de segunda estragada coberta por gordura rançosa que ofertamos ao universo.

Violentos. Perversos. Destruidores. Nossa outra face agora revelada, exibida com a soberba dos revanchistas alucinados.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.