Cartografias do Sul By Márcio Pimenta / Share 0 Tweet Por 45 dias estive no Brasil e todas as vezes que vou ao país tenho a sensação de que o Brasil está cada vez moderno, num sentido muito particular que o Brasil deu a esta palavra. O país cresce e se torna mais dinâmico. Avançou em áreas estratégicas como a energia, a produção industrial cresce, o consumo idem, etc. Vamos a alguns números que captei da edição de 12 de março da revista Exame que confirmam estas primeiras impressões. Os números se referem ao crescimento do consumo do brasileiro no período de 2002 a 2007. Alimentos industrializados, 97%, automóveis, roupas e calçados, 50%, cosméticos e higiene pessoal, 70%, bebidas, 125%, computadores, 75%, ferramentas e reparos domésticos, 62%. A revista aponta ainda que somos o oitavo maior produtor mundial de automóveis, o segundo maior em pisos e azulejos, o terceiro maior mercado do mundo em celulares, o quinto maior produtor de computadores, e segue uma lista de outros produtos onde também o Brasil está entre os lideres. A revista chama atenção ainda para o fato de que este é o maior crescimento do país em três décadas. Os números nos deixam otimistas. Até mesmo os empresários, quase sempre os campeões em reclamação, estão otimistas frente ao país. A classe média, quase sempre leitora de semanários e jornais nacionais, se desinforma, mas o crédito fácil lhes permite ir a Europa, tudo facilitado em pequenas 24 parcelas com juros “amigáveis”. Mas o conceito que o Brasil deu a palavra moderno é algo único e não é algo recente. Modernismo no Brasil sempre significou o afastamento da população, ao menos a parcela indesejável desta. Com o Brasil entrando no século XX a elite brasileira se mostrava preocupada com o atraso do país e a imagem que tinha no exterior, tal como hoje. Navios de turismo que partiam da Europa rumo a Buenos Aires chegavam a anunciar “sem escalas no Brasil”. O Brasil precisava se modernizar e deixar de lado a imagem de um país colonial. A elite brasileira, sempre olhando para o Velho Mundo, mais precisamente Paris, decidiu que a solução seria acabar com os cortiços que abrigavam as famílias mais pobres (e quase todos, negros) e construir boulevards próximos as docas. Estas famílias eram os trabalhadores que agora deveriam ir para outros lugares por sua própria conta (daí começaram a ocupação dos morros). Era o início do processo de modernização das cidades que logo seria seguido pelo processo de embraquecimento da população, mas esta já é uma outra história. Ao menos esta é a interpretação da elite brasileira para modernização. Em pleno século 21 vive-se a mesma situação. Não é raro encontrar matérias em revistas semanais apresentando o país que dá certo, contra o país arcaico e colonial. O Brasil líder, dinâmico, tecnológico e que fala outras línguas não (re)conhece o Brasil de onde são tirados muitos dos recursos que permite que este Brasil moderno exista. Talvez aí esteja a explicação pela qual nenhum governante tinha um programa de governo que envolvesse a população em seu projeto de desenvolvimento(exceto por um candidato que recebeu pouco mais de 2% dos votos e tinha uma proposta clara por educação). O Brasil moderno é o mesmo Brasil do século XX, um país que acredita que a modernidade está longe do seu povo, o mesmo país, a mesma ignorância.