Cinema Atemporal By Ana Al Izdihar / Share 0 Tweet Um filme bem acabado, sem pretensões e divertido! Seleção oficial de Veneza 2005. Mais uma vez tenho orgulho de dizer: Árido Movie de Lírio Ferreira é nosso! E mais orgulho ainda em recomendar. Como descobri esse filme? Vou dizer a verdade: adoro o Selton Mello e fui à locadora ver se conseguia alugar O Cheiro do Ralo e estavam todos os exemplares locados. Então, vi o Selton em outra capa de dvd e disse: “vai esse mesmo por enquanto”. Só que esse povo é esperto. O Selton Mello – excelente ator – é uma grande estrela cinematográfica no momento e ter o nome dele nos créditos de um filme já é garantia de que o espectador fique no mínimo curioso. E foi o que aconteceu, foi estratégia de marketing, pois peguei esse filme pensando que ele era o protagonista… E não era. Mas não me arrependi nenhum momento. O filme é muito bom. E tenho de confessar que estou meio atrasada com as notícias de cinema. Lamento não ter falado desse filme antes, mas aqui está minha colaboração. Fotografia impecável, atores excelentes, argumento da estória simples e inteligente e uma trilha sonora muito legal! (Falo mais sobre ela daqui a pouco). Mas não vou falar desses aspectos, isso vocês podem conferir quando assistirem. Vou falar sim de um aspecto que talvez possa passar despercebido para a maioria dos espectadores e é justamente isso que faz do filme um exemplar inusitado. O filme consegue manter o foco no argumento da estória o tempo todo, sem entrar num discurso político-social, nem regional, nem cult, apesar de tudo isso estar lá como pano de fundo. São assuntos pertinentes, que poderiam acender vários debates e perigava o filme começar a levantar bandeiras. Tais como: bandeira de burguesinho sem propósito na vida; bandeira de índio escorraçado no Brasil; bandeira do matriarcado nordestino (?!); da vida dura do sertão sem água; da política brasileira, da crendice brasileira, do lado cult de sulista que vai filmar o lado romântico da miséria, da discussão “o que é pior: maconha ilegal ou álcool legal?”… Viche! Dava pra levantar todas essas bandeiras e facilmente transformar o filme numa chatice sem fim! Mas não. O discurso é sutil. Todos esses pontos de vista estão lá, mas são somente adorno para o destino dos personagens. É sim, uma narrativa mais realista nesse sentido, pois parece com a nossa vida: todas as mazelas do Brasil, da política à arte, da miséria ao sexo, das drogas à diversão, da descrença à fé cega na religião, tudo é parte dela. Às vezes participamos de tudo um pouco, às vezes alguns pontos nos passam à revelia e mesmo assim continuamos a seguir nossa vida de onde paramos. É um filme que se passa em Pernambuco, em que um rapaz vai ao enterro do pai, que nunca conheceu direito, numa cidade no interior chamada Rocha. Vai se encontrar com sua avó, uma matriarca aferrada às tradições que o espera ansiosamente para que vingue o morto. Dois amigos e uma amiga o acompanham, a contragosto dele, e encontram uma documentarista no caminho. As vidas desses personagens se misturam com os da cidade de Rocha – o José Elétrico, Wedja, o índio e Meu Véio – e tudo vira aquela bagunça que lembra os road movies americanos. Mas não se engane! Pode até lembrar, mas não tem nada a ver com Reviravolta (U Turn) do Oliver Stone ou Thelma & Louise do Riddley Scott, viu? Mesmo sendo rodado no sertão de Pernambuco e mostrando a falta de água por lá e o modo de vida das pessoas, não é um filme “regionalista”. O filme continua sua narrativa e não pára para ficar dando lição de história, nem explicando a cultura nordestina. A estória continua como se você, espectador, já soubesse de tudo que está exposto ali. Até o sotaque é trabalhado de modo mais natural… Muito diferente das novelas da Globo, em que o sotaque – principalmente o nordestino – vira um personagem a mais. Em Árido Movie não, o sotaque flui, não se auto-explica, nem as gírias regionais são explicadas, você que se vire pra entender. Isso é ótimo, mostra que esta produção pernambucana não quer aceitação dos ditos “grandes centros” do Brasil – Rio, São Paulo, Sul-Maravilha – ela simplesmente se mostra, é assim e pronto. Mostra suas idiossincrasias porque é parte da vida deles e nem por isso é cult. Como algumas pessoas do sul e sudeste brasileiro que para poder mostrar que entendem as diferenças culturais do país, elas têm de se travestir de algumas roupinhas e acessórios X, sinalizando que são diferentes e assumem um discurso “libertário” para poder expressar o que entendem. Só que entendem intelectualmente e não vivem isso na alma. Aliás, o contraste urbano e sertão está na narrativa do filme de maneira bem crua, sem muitas metáforas, sem querer dizer mais do que são: ambientes diferentes e contrastantes. Ponto. Parágrafo. Na outra linha. Quer ver um bom exemplo? A cena no filme em que os amigos de Jonas param no O Posto, do Elétrico, encontram a linda Wedja, tomam umas cervejinhas, fumam um e ficam lá dançando no palquinho simples, regado por um jogo de luz muito limitado, com uma música que a gente só encontra nos becos do Brasil – não nas tribos chiques do sul e sudeste que acham tudo brega, que não se permitem ouvir de tudo – uma mistura de jovem guarda com brega romântico, com algo meio eletrônico, meio guitarra… Aliás, a trilha tem Otto – se quiser saber quem é, vai ter de pesquisar, ok? – Pupilo, Pholhas (Roupa Nova em inglês) e Renato e seus Blue Caps! Uma ousadia que só o Nordeste é capaz. Desculpe-me se estiver se não gostarem do que estou dizendo… O humor é refinado, mas não é cult. Tem palavrão pra pôrra, mas não é escatológico. Ainda está me acompanhando? Tem cenas de sexo, mas são necessárias. Tem gente consumindo droga, mas não faz apologia. Tem até direito a filosofia indígena sobre o que é a realidade e viagem com chá de raiz que só índio conhece. Destaque para o impagável e grande mestre do teatro José Celso Martinez Correa fazendo o papel de Meu Véio. E claro, o personagem do Selton Mello, o Bob, ensinando a enrolar um baseado, mostrando um barrigão que não entendi se é dele mesmo ou ele estava forçando.