Uma comparação pedagógica entre o interesse midiático pelos cinquenta anos de Kind of Blue e pela morte aos cinquenta anos de Michael Jackson
Em junho de 2004, o legendário guitarrista Carlos Santana concedeu ao crítico de rock George Varga, do The San Diego Union-Tribune, uma ácida entrevista na qual, entre outras coisas, condena a absurda e absoluta indiferença da mídia musical especializada norte-americana à morte, dias atrás, de um dos fundamentos do jazz moderno, o baterista Elvin Jones – “a supreme drummer who was doing things that were totally different than anyone else”. Em seu contundente desabafo, Santana
compara o descaso midiático em relação à morte de Jones com a repercussão da morte de Miles Davis (1991) na França, onde a televisão transmitiu quatro horas seguidas de sua música;
que MTV e VH1 são virtualmente jazz free;
que MTV deveria interromper sua programação obsoleta para transmitir um solo de Jones, que representa, como Duke Ellington, o mais alto nível de criatividade;
que (os Estados Unidos da) América é um país ignorante (...) pois coloca os valores econômicos acima dos espirituais.
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Logo que se anunciou, para
Para que aqueles dentre os leitores menos familiarizados aos fatos e mitos do jazz bem dimensionem a magnitude do álbum conceito de Miles de 1959 (Miles foi dos poucos a reinventar a sua música muitas vezes em vida, a cada uma delas influenciando a música como um todo), sugiro a apaixonante leitura de Kind of Blue: A História da Obra-prima de Miles Davis, de Ashley Kahn (2000/trad. 2007). Interessa-nos, aqui, sobretudo o fato de que o disco tenha influenciado amplamente, desde então, os modos de fazer e ouvir música – especialmente se considerarmos que se tornou praticamente moda, entre artistas pretensamente informados, arrolar Kind of Blue entre suas principais influências. Alérgico confesso que sou à música pop (como explico adiante), preciso, hora dessas, me dedicar a conhecer uma banda chamada Radiohead, com o propósito de tentar nela identificar a influência, segundo li na Bravo, alegadamente exercida sobre a mesma pelo álbum de Miles.
Me interessa, pois, aqui, cotejar a atenção pontual, esporádica e dispersa dispensada pela mídia a Kind of Blue ao longo de seu cinqüentenário, constituída, principalmente, por matérias jornalísticas tais como
notas breves sobre o álbum como parte do calendário de efemérides celebradas em 2009; e
matérias “jornalísticas” por ocasião do lançamento de compilações fonográficas alusivas ao evento, muitas delas descaradamente ilustradas, como anúncios, pela imagem física dos produtos resenhados; um jornal chegou a estampar em suas páginas, pasmem, os próprios rótulos serigrafados dos CDs promocionais – cabendo se perguntar, no presente caso, qual teria sido o destino final do exemplar promocional da luxuosa reedição naquela redação
com o surto de interesse súbito e maciço pela... obra (?) de quem pretendem ou se pretende o rei do pop, desencadeado a partir de sua morte prematura e acidental, que resultou na saturação da mídia com extensas matérias biográficas sobre o mito pop por semanas a fio até o momento em que escrevo estas linhas. Ou ainda, se quiserem, com o aniversário
Ora, se considerarmos as distintas reações da mídia, acima descritas, para com, de um lado, a originalidade, a excelência musical e a amplitude da influência de um único álbum cinqüentenário de Davis e, de outro, para com o relativamente insignificante legado musical de Jackson (ou ainda, se preferirem, para com o aniversário de 40 anos da primeira caminhada do homem na lua), é patente que a situação denunciada por Santana em 2004 em nada tenha se alterado desde então.
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Tendo, pois, triangulado com mitos de diferentes mundos e épocas, i.e., Jones (jazz), Santana (rock) e Jackson (pop), não poderia publicar estas ruminações sem antes googlar os dois últimos – ao que fico sabendo que as biografias de ambos se tocaram (como as de tantos do showbizz com a de Jackson...) ao gravarem, em