A descoberta da América, parte 6: a capital mundial do jogo

Dizem que o modo mais bonito de chegar em Las Vegas é de avião, à noite: a mancha luminosa em meio ao deserto aos poucos fica mais e mais nítida, quilovates em néon visíveis até mesmo da Lua. Não, não foi nosso caso: chegamos de carro no fim da tarde. Na hora do lusco-fusco os letreiros começam a se destacar mais e mais em meio à paisagem urbana.

Mesmo nesse horário, impressionante cruzar a Las Vegas Strip – ou, simplemente, “The Strip”: ao longo de quase sete quilômetros, uma sucessão de hotéis e cassinos temáticos fazem de um simples passeio de carro uma autêntica volta ao mundo. Olha-se para um lado e se vê a linha de horizonte de Nova York, repleta de arranha-céus. Noutro, Veneza e seus canais – com gôndolas! Ali, as pirâmides do Egito. Acolá, Paris e sua famosa torre. Roma, Monte Carlo, Rio de Janeiro, a távola do Rei Arthur, mesmo um vulcão em uma ilha tropical (com erupções a cada quinze minutos) se alinham nas quatro milhas da Las Vegas Strip. Não falta nem mesmo um monotrilho, com paradas em diversos desses hotéis temáticos.

Estamos cruzando a Strip apenas de passagem. Afinal, escolhemos um hotel mais antigo e tradicional para a nossa estada: o Four Queens, que tem a vantagem de se localizar junto à Fremont Street Experience, sobre a qual falarei logo mais.

A recepção no hotel é formal e algo gélida – ao menos rápida, pois as revervas já haviam sido feitas pela internet. Recebemos as chaves e a indicação do elevador. Surpreendentemente ou não, a recepção do hotel fica num canto, os elevadores no lado oposto e o salão do cassino no meio do caminho. Assim, para chegarmos ou sairmos dos quartos torna-se obrigatória a passagem por uma infinidade de roletas, caça-níqueis, mesas de carteado ou dados.

O quarto é impessoal, mas limpo, com a janela oferecendo uma vista sem graça da cidade. Ligo a TV a cabo e encontro alguns canais em espanhol, uma constante nos Estados Unidos de hoje. O mais espantoso é encontrar um canal privativo do hotel, onde um sujeitinho de smoking passa cem por cento do tempo ensinando a arte e regras do jogo em diferentes modalidades!

Um passeio pela noite de Las Vegas é bonito para os olhos. O prefeito Gilberto Kassab, notável por eliminar quase todas as publicidades visuais de São Paulo, teria uma ataque histérico ante tanta luz e néon. A capital mundial do jogo prova que poluição visual não precisa ser necessariamente desagradável, podendo até mesmo ser atração turística.

Que dizer da Fremont Street Expericence? Trata-se de um painel luminoso erguido por cinco quadras sobre a Fremont Street. Potentes shows de luz e som acontecem a curtos intervalos, sempre precedidos pelo blecaute dos luminosos dos cassinos da rua e por trovões e relâmpagos a riscar o céu de LCD. Após a tempestade, o imenso painel exibiu um tributo ao grupo de rock britânico Queen. Não seria demais dizer que a exibição foi emocionante, um espetáculo tecnológico bonito de se ver.

A razão de ser de Las Vegas é a noite: por trás dos luminosos, promessas adrenalínicas de dinheiro fácil nas mesas de jogo seduzem multidões. E mesmo para os determinados a não jogar, difícil fugir da jogatina: existem caça-níqueis em bares, lanchonetes, lojas de conveniência, postos de gasolina e em praticamente todo e qualquer estabelecimento comercial da cidade.

Em minha estada, não apostei um níquel. Eu nem sabia, mas me descobri dono de verdadeira aversão ao jogo. Talvez porque sempre que eu cruzava o cassino do hotel, no rápido trajeto entre a recepção e o elevador, jamais tenha visto homens jovens e vistosos ou mulheres bonitas e fornidas se acotovelando em volta das mesas de jogo. O que eu via eram velhas figuras cansadas, feias e maltratadas apostando por horas a fio, o pote de fichas na mão sendo gasto até que nada mais reste. Existe glamour em uma mesa de jogo? Por certo em Hollywood, não em Las Vegas, que nem por isso deixa de ser um destino turístico interessante mesmo para os que não tem interesse em jogar. 

De Las Vegas para o Vale da Morte a distância é curta e a estrada é ótima. Este o próximo destino da série!

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Ricardo Montero