A Geometria

Em Elementos, sua obra em 13 volumes, Euclides descreve a Geometria, criando pela primeira vez na história da Matemática um modelo de teoria científica. Por essa origem, os matemáticos deram à sua geometria o nome de geometria elementar. Na minha exposição, forçosamente resumida, procuro dar uma visão dessa admirável criação dos fundamentos da Matemática.

Para quem somente aprendeu matemática na escola, provavelmente não se deu conta da enorme contribuição de Euclides para o seu desenvolvimento. Euclides foi o primeiro a criar uma metodologia lógica do conhecimento matemático, ou seja, foi quem criou o primeiro modelo de uma teoria científica. Refiro-me à geometria euclidiana que, até hoje, serve de paradigma ao nosso saber. Não devemos também subestimar a contribuição dos filósofos, Platão por exemplo. Para Platão, (427-347a.C.), as figuras geométricas eram verdades absolutas, objetos abstratos, eternos e incorpóreos, somente acessíveis ao intelecto. Eram as bases sobre as quais se construiria o mundo, correspondendo aos axiomas da geometria euclidiana. Vejam como Platão, em Ménon, mostra Sócrates sendo questionado: “Como você procura o que não conhece? O que coloca primeiro como tema da sua busca? E se encontrar o que procura, como sabe que é o que não sabia?” Estas interrogações refletem a perplexidade do filósofo perante o desconhecido. Como desvendar o que não sabemos? Que vínculos poderão existir entre o pouco que conhecemos e a imensidade que desconhecemos? A resposta a estas indagações veio com a geometria de Euclides, que consiste em um sistema lógico dedutivo, obtido a partir de proposições indemonstráveis e evidentes em si mesmas, os chamados axiomas. Aristóteles, (384-322a.C.), rejeitou o conceito euclidiano de axioma, substituindo-o pelo postulado, proposição admitida como não universal nem evidente em si mesma, servindo de fundamento a um sistema dedutivo. Nos sistemas da lógica moderna, os postulados são hipóteses, nem verdadeiras nem falsas em si mesmas, que servem apenas como regras básicas para o procedimento dedutivo. Hoje, com os computadores e as simulações visuais, os sistemas hipotético-dedutivos consistem em “verdades” virtuais, total ou parcialmente desvínculados das verdades experimentais.
Baseando-se em axiomas, a geometria euclidiana desenvolve a sua teoria através de teoremas, que são proposições lógicas de seqüências finitas de regras dedutivas. Em alguns casos, o teorema é precedido de um lema, proposição auxiliar que prepara a demonstração do teorema subsqüênte. A geometria é uma ciência abstrata, como aliás toda a matemática. Os elementos básicos da geometria euclidiana são o ponto, a reta e o ângulo. Combinando estes três elementos, obtêm-se as figuras geométricas, das quais a mais simples é o triângulo. O ponto geométrico não tem dimensões, é adimensional, não existindo isoladamente. O seu conceito é axiomático já que não pode ser demonstrado. A linha reta é a mais curta distância entre dois pontos. Tem apenas comprimento, sem ter largura. O seu conceito é igualmente axiomático. Entre dois pontos, a linha reta é chamada de segmento de reta. Com estes dois elementos obtemos as seguintes relações recíprocas: duas linhas retas que se cruzam definem um ponto e dois pontos definem uma linha reta. No mesmo plano, duas ou mais linhas retas são paralelas se não se encontram por mais que se prolonguem. A definição de ângulo não é tão simples quanto as duas anteriores. Dizer que um ângulo é formado por duas semi-retas que se cruzam em um ponto chamado vértice, não é suficiente. O ângulo é uma rotação que vai desde zero até a uma volta completa. Se considerarmos duas semi-retas que se cruzam e se admitirmos, aleatoriamente, que uma delas é fixa, a outra pode girar, em relação à fixa, de zero até a uma rotação completa. Se admitirmos que a rotação completa pode ser dividia em 360 partes iguais, isto é, em 360 graus, temos que a semi-reta giratória faz com a semi-reta fixa, uma abertura chamada ângulo, que pode ser medida em graus, para qualquer posição das duas semi-retas. As duas semi-retas são chamadas de lados do ângulo. Se no mesmo plano tivermos dois ângulos, eles são iguais se os seus lados forem paralelos. Duas retas que se cruzam formam quatro ângulos, iguais dois a dois. Os ângulos iguais são chamados de ângulos opostos. Uma linha reta que intercepte duas retas paralelas, forma dois cruzamentos iguais, isto é, os ângulos opostos dos dois cruzamentos são iguais entre si. Dois ângulos que tenham um lado comum são chamados de ângulos adjacentes. Conforme o ângulo, eles têm as seguintes designações: ângulo reto, ângulo de 90º; ângulo raso, ângulo de 180º; ângulo agudo, ângulo menor que 90º; ângulo obtuso, ângulo maior que 90º e menor que 180º; ângulos complementares, dois ângulos adjacentes cuja soma é uma ângulo reto; ângulos suplementares, dois ângulos adjacentes cuja soma é um ângulo raso. Passemos aos triângulos. No plano euclidiano, quaisquer três pontos não colineares, isto é, não em linha reta, formam um triângulo quando ligados por segmentos de reta. Os segmentos são os lados e os pontos os vértices do triângulo. O triângulo tem três lados, três vértices e três ângulos. Suponhamos um plano euclidiano. Desenhemos nele duas retas paralelas, horizontais para facilitar. Marquemos, aleatoriamente, dois pontos na reta inferior e um ponto na reta superior. Se ligarmos os dois pontos da reta inferior ao ponto da reta superior por segmentos de reta, temos um triângulo. Os dois lados inclinados do triângulo são afinal duas linhas retas que interceptam duas retas paralelas. Os ângulos opostos são iguais, ou seja, no vértice superior, a soma dos três ângulos é de 180º ou dois ângulos retos. Quer dizer, a soma dos ângulos internos de um triângulo vale dois ângulos retos. Conforme a relação entre os lados, os triângulos são classificados como eqüiláteros, todos os lados iguais, isósceles, dois lados iguais e escalenos, todos os lados diferentes. Para lados iguais, ângulos opostos iguais, logo, eqüilátero todos os ângulos iguais, isósceles, dois ângulos iguais e escaleno todos os ângulos diferentes. Dois triângulos são iguais se se verificar, na relação ente eles, uma das seguintes condições: um ângulo e os dois lados adjacentes são iguais; um lado e os dois ângulos adjacentes são iguais; todos os lados são iguais. Agora, o que acontece se os ângulos de um triângulo forem iguais aos ângulos de outro triângulo? Os dois triângulos são iguais? Se a condição de igualdade se verificar somente nos ângulos, os dois triângulos não são iguais mas semelhantes. Quer dizer, os dois triângulos têm os ângulos correspondentes iguais e os lados homólogos proporcionais. Não são iguais mas existe uma relação de “tamanho” entre eles.
Observem a importância que o axioma das paralelas tem na geometria euclidiana. Este axioma diz: por um ponto fora de uma linha reta, é possível traçar uma e só uma linha reta que não intercepte a linha reta dada. Os geômetras tentaram, em vão, durante séculos, provar que este axioma resultava dos demais axiomas euclidianos. Na realidade, o que se provou foi que era possível eliminar o axioma das paralelas mantendo todos os outros axiomas e criar duas outras geometrias não-euclidianas, a geometria hiperbólica e a geometria elíptica.

Fiquemos por aqui. Até à próxima.

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Henrique Cruz