Culpa

– Não fica assim, Almeida. Olha pra mim. Em que é que cê tá pensando? – No Moisés. – Ih, ih, ih, que nome esquisito pra se colocar no pinto! – Não, Moisés, o patriarca, o que abriu o Mar Vermelho. Tô pensando nele. – Já vi o sujeito virar religioso após calamidades, Almeida, mas depois de uma brochada […]

Moises Michelangelo

– Não fica assim, Almeida. Olha pra mim. Em que é que cê tá pensando?

– No Moisés.

– Ih, ih, ih, que nome esquisito pra se colocar no pinto!

– Não, Moisés, o patriarca, o que abriu o Mar Vermelho. Tô pensando nele.

– Já vi o sujeito virar religioso após calamidades, Almeida, mas depois de uma brochada é a primeira vez. Logo você, um ateu!

– Ateu, não. Já disse que, em se tratando de Deus, sou abstêmio.

– Tá, então que história é essa de Moisés? Ele é o santo protetor dos brochas, agora? Faz sentido, já que vivia levantando o cajado…

– Como você é ignorante. Moisés inventou a culpa cristã, pro seu governo. Se não fosse ele, nada disso teria acontecido.

– Olha, Almeida, eu já ouvi muita desculpa de homem quando brocha, agora culpar o pobre Moisés, que além de tudo traçava uma pagã como nenhum outro, era o que faltava,

– É a mais pura verdade. Se a gente tivesse no tempo dos romanos, eu teria feito você subir por essas paredes.

– Tomando como base o seu desempenho dessa noite, se estivéssemos nos tempos romanos a única maneira de você me fazer subir pelas paredes seria me crucificando.

– Muito engraçado da sua parte. Mas o fato é que eu me sinto culpado.

– Não deveria. Com exceção do Ziraldo, isso acontece com todo o mundo.

– Não, me sinto culpado por tá aqui com você, entende? Traindo minha mulher. E isso é culpa de Moisés. Ou, se quiser, é culpa de Deus, que esperou quarenta anos pra matar ele, diante de Jericó, quando podia ter abatido o velho antes de ele receber as tábuas da Lei, com uma intoxicação de maná, por exemplo.

– Que blasfêmia! Abraão pode ter inventado a culpa cristã, mas também foi responsável por Cristo, que ressuscitou dos mortos. Se fosse você, me apegava a Ele, pois é o tipo do milagre que seu pinto tá precisando no momento…

– Ressuscitou dos mortos, sim, mas no terceiro dia e eu só tô com dinheiro pra pagar o pernoite, de maneira que não vai ser de grande ajuda. E a questão não é essa, não é absolutamente essa. O problema é que, sem a noção de pecado, a gente teria transado numa boa.

– Duvido muito. Sem a noção de pecado, o máximo que a gente faria seria trocar uns apertos de mão e jogar baralho…

– Você entendeu perfeitamente o que eu quis dizer. O sexo na Antiguidade Clássica era livre, não era carregado.

– Espero, sinceramente, que você esteja querendo dizer com isso que à época dos gregos ainda não havia cuecas. Porque se por “sexo” você está se referindo à relação sexual, achando que ela era livre entre senhores e escravos, aconselho você a parar de ler Casa Grande & Senzala, imediatamente.

– Livre entre cidadãos livres, é claro. Não complica, Alcinda. Você sabe do que eu tô falando. O adultério não tinha toda essa carga moral.

– Ou seja, em outras palavras, você tá culpando dois mil anos de civilização por sua impotência momentânea. Não deixa de ser uma forma revolucionária de determinismo histórico. Pior, pelo que depreendo, você faria de bom grado a viagem Rio-São Paulo no lombo de um burro ou estaria se comunicando através de sinais de fumaça até hoje, em troca de uma ejaculação.

– Não é nada disso, apenas… Ih, olha aí, ele tá se animando!

– Então vem cá, vem, vamo aproveitar pra… Ué?

– Alarme falso.

– Se encolheu de novo.

– Maldito Moisés!

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Marconi Leal