Dicionários e mais dicionários (parte 1)

No matabicho de hoje, aprenda um pouquinho mais sobre para que servem os dicionários e o que você pode encontrar de interessante neles. Veja que os dicionários servem para um pouco mais do que descobrir se "berinj/gela" é com j ou com g. E participe do programa tira-dúvidas "tudo o que você sempre quis saber sobre dicionários mas nunca encontrou um louco autor de dicionários na rua para perguntar".

Bom dia! Aqui estou eu novamente atrapalhando o seu matabicho para trazer informações lingüísticas fresquinhas que podem lhe ser muito úteis (mas apenas podem… Aí entramos no problema das modalidades, que fica para outro matabicho). E hoje resolvi falar de uma de minhas especialidades: isso que chamamos de dicionário.
Com certeza você já viu um. E muito provavelmente já deve ter consultado um. Agora, duvido que você já tenha lido um. Corre uma "lenda urbana" entre os lexicógrafos (= malucos que se metem a fazer dicionários) que certa vez, na TV, a Xuxa declarou que adorava ler dicionários. Bom, se tal declaração for mesmo verdade, é possível que existam leitores de dicionários, mas sem dúvida eles são a exceção. (Agora, há alguns colecionadores, como a Rita Lee, que, segundo outra lenda lexicográfica, é dona da maior coleção particular de dicionários do país.)
Resumindo, o dicionário é uma obra para ser consultada, não para ser lida. Expliquem isso à Mafalda, que, aí na tirinha embaixo, estranha ao ver seu pai tirando da estante um livro muito muito grosso e devolvendo-o após alguns segundos. E aí percebemos outra característica muito comum dos dicionários: seu volume.
Sim, o dicionário, digamos, "padrão", aquele que está no inconsciente coletivo de todos os usuários de dicionários, é um livro grosso e pesado; ou talvez seja formado por vários volumes de livros grossos e pesados (o que nos leva a mais uma provável função para o dicionário: atingir a cabeça das pessoas chatas, como a deste lingüista que insiste em interromper o seu matabicho para ficar contando inutilidades lingüísticas).
Resumindo até agora: o dicionário é um volume (ou vários) de grandes dimensões, com a finalidade de ser consultado (e não lido). E que tipo de informação se consulta num dicionário?

[Pausa para pensar. Interrompa o seu matabicho por um instante e pense para si mesmo: por que razão eu consultaria um dicionário?]

Pensou? Bom, se você pensou, depois me diga, porque eu realmente gostaria de saber. Mas na verdade já fizeram esse levantamento. Uma pesquisa estatística feita na França há algumas décadas mostrou que os dois maiores motivos que levam uma pessoa a buscar uma palavra no dicionário são: 1. saber como se escreve (ortografia); 2. saber o seu significado (semântica).

"Poxa, mas você está aí atrapalhando o meu matabicho para me dizer isso? Ora, para que mais serve um dicionário?" – você deve ter se perguntado. Bom, além do motivo que eu mencionei acima (atingir cabeças), o dicionário traz muito, mas muito mais informações do que essas. Vou comentar algumas hoje e deixo outras para outro matabicho.

Uma informação muito útil mas que muitas vezes nem sequer passa pela cabeça de quem está consultando é algo que se chama "classe gramatical". Você lembra das aulas chatésimas de gramática da escola? Lembra que tem artigo, substantivo, adjetivo, verbo, advérbio etc. e tal? Pois é: toda palavra que está no dicionário traz ali junto se ela é um substantivo, adjetivo, verbo etc.

De novo: "Caramba, mas pra que isso vai me servir?" Veja só: você sabe o que é "amantelar"? Nem eu. Mas o dicionário Houaiss (em outro matabicho posso comentar também sobre os vários dicionários do português) nos diz que é um verbo transitivo direto. Muito bem: com essa informação, eu já sei que eu provavelmente vou amantelar alguma coisa ou alguém; eu não vou simplesmente amantelar, ou amantelar de alguma coisa, amantelar por alguma coisa, amantelar a alguma coisa etc.. Lendo a definição, eu vejo que "amantelar" é "fortificar, guarnecer com muralhas". Muito bem: então eu já sei que amantelo alguma coisa, e pela definição, dá para imaginar que eu posso amantelar uma cidade, talvez. Parece pouco? Mas isso já te ajuda a usar adequadamente um verbo que você nunca viu antes.

Só mais um exemplo: sabe o que é "gelatinizar"? Dá pra imaginar que tem a ver com gelatina… Vamos ver o que nos diz o velho Houaiss. Em primeiro lugar, ele diz que "gelatinizar" pode ser um verbo transitivo direto (do tipo "eu gelatinizo alguma coisa") ou pronominal (do tipo "alguma coisa se gelatiniza"). Nesses dois casos, o verbo significa "transformar (ou transformar-se) em gelatina". Ótimo: já sei o significado e já sei em que tipos de frases ele aparece. Agora, mais embaixo, está escrito: "verbo intransitivo". Opa, então "gelatinizar" também pode ser intransitivo (do tipo "alguma coisa gelatiniza"). E nesse caso, será que ele significa a mesma coisa: lemos que não: gelatinizar, quando é intransitivo, significa "produzir-se o fenômeno da gelatinização". Bom, não ajuda muito, porque aí temos um termo técnico da anatomia botânica (como o próprio dicionário informa), mas já sabemos, pelo menos, que esse verbo tem dois significados diferentes que mudam de acordo com o uso dele na frase. Como eu sei qual é o que eu preciso? Ora, temos uma dica: se no texto o verbo estiver sendo usado como intransitivo, então é o segundo significado que precisamos; se for transitivo ou pronominal, é o primeiro.

Bom, esse assunto de dicionários é um mundo. Teríamos que falar dos diversos tipos de dicionários (monolíngües, bilíngües, plurilíngües, técnicos, gerais, para estudantes, para crianças etc. etc. etc.), da história dos dicionários, de como eles são feitos etc. e tal, mas como eu quero deixar assunto para outros matabichos, por enquanto fico por aqui. Espero ter ajudado um pouco vocês a usarem melhor o dicionário, e também estou à disposição para suas dúvidas. Aproveitem porque não é todo dia que vocês encontram um lexicógrafo dando sopa por aí…!mafalda

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Bruno Maroneze