Navegando no Cotidiano By Luciana Santa Rita / Share 0 Tweet Fotografia de Ana Cecília Romeu Desde os primórdios, busca-se identificar diferenças entre homens e mulheres, seja pela crítica a essência do feminismo que descreve que há uma natureza específica da mulher, seja por exemplo, ao se afirmar que meninos são inclinados a comportamentos típicos do gênero masculino: as necessidades de intelectualidade, competitividade. Na contemporaneidade, há clara tendência a estereótipos, mas nem tudo é cultural. Comportamentos psicológicos, dependendo da fase da vida em que o homem se encontra, permitirá mais sonhos, ou mais desejos. A natureza e a criação não poderiam ser excludentes, mas talvez complementares e aí entra o senso de autoria de Dostoleiesviski que diz que o homem é um ser maleável e se acostuma a tudo. Sob essa perspectiva, os homens são seres potenciais para diversas atitudes, inclusive lidar com a adaptação hedonista. Depende da situação, do papel adotado em cada momento…, sim ‘papel’ o que não significa hipocrisia ou máscara, mas os vários ‘eus’, por exemplo, pai, esposo, amante, profissional, e tantos outros que nem sempre coexistem, dependendo da ocasião. Em sentido pejorativo seria ir de encontro ao contexto de que a mulher tem necessidade patológica de posse; e o homem, de liberdade. Crer na falácia do sexo declamado como frágil (tolice medieval). No final, as generalizações, independente de comprovações de diferenças entre os gêneros, se apoiam em estatísticas do IBGE que se tornam premissas, esquecendo de que no coração do homem podem existir ursos brigando e que tudo depende do que se alimenta mais. Qual mulher nunca foi adjetivada como ciumenta, desconfiada ou mesmo paranoica? Qual homem não foi adjetivado de mentiroso, infiel ou insensível? A conclusão é que a nossa capacidade de se adaptar existe de maneira mais ampla do que em geral supomos. E possível construir identidade, independente de crenças. Com tantos mitos, a natureza masculina é assim, assume papeis e desejos, também os que estão lá na sétima, oitava gaveta atrás do coração; e os encontros duram o tempo que tem que durar, às vezes, apenas uma noite já será a eternidade. Entendem Platão com naturalidade e sem muito esforço, quando diz que o ser humano busca a imortalidade através da pessoa amada, por meio do sexo. Diferenças existirão entre os sexos, mas antes de frisá-las, se deve pensar nas diferenças entre vidas, de um indivíduo para outro. De qualquer forma, o preconceito e o mito das diferenças estão ali no caminho, e talvez tenham sido arremessados do passado, uns metros atrás, ou muitos metros atrás (a ‘metragem’ aqui indica o tempo passado: pretérito imperfeito, ou mais que perfeito), por nós mesmos para frente. Somos todos potencialmente homens e mulheres, alguns infernos e outros céus. E não dá para concordar com a assertiva de diferenças ou semelhanças, sem o complemento, sem ver a nós mesmos. Pois nós também somos responsáveis pelos infernos que acolhemos, e pelos ‘diabos’ que nos avizinham. O que pode nos parecer indiferença, ao outro é o máximo que ele pode oferecer, e talvez não sejam palavras como ‘eu te amo’, ‘gosto de ti’, ‘preciso de ti’, mas pode ser até uma palavra não dita, por ser a única maneira com que essa pessoa consegue se exprimir. Então seria justo valorizar quem nos valoriza, e fazer o contrário na mesma medida a quem não o faz, no entanto, como saberemos com exatidão quem nos deu o máximo que podia? Quem se calou, ou quem disse que nos amava? E no final, seriámos capazes de perceber homens com amor Socrateano, quando sua maior projeção é aquela que diz que o amor faz adotar atitudes nobres para sermos merecedores do amado. Ou mesmo reforçam a frase do filme Ghost: “Muita gente diz ‘eu te amo’ sem querer dizer nada”. Homens que assumem que não gostam de ficar, gostam da pia cheia, da prestação para pagar e não precisam de entressafra. E, mesmo atormentados pela volúpia de uma paixão não correspondida, falam, lavam a alma, pronto para recomeçar. Essa é a realidade: um mundo diferente, demasiadamente humano, em que se vive com estilo, ironia e longe da falsa moralidade ou idiossincrasia de sinceridade feminina. Chamamos esse homem de complemento, pois ele acredita na salvação quando se constrói relacionamento sólido, baseado nos limites de cada um. Vê beleza quando está amando. É um homem açucarado e emotivamente natalino. Valoriza a abnegação, tem o amor atrelado à própria carruagem, foge do amor garanhão, egoísta. Limpa a ferrugem da relação e cumpre o expediente do cotidiano. Pensa na pasta de dente que ela gosta e compra o próximo minuto sem riscos para uma nova lua de mel em Paris. Conseguem lembrar a cor do esmalte e possuem amigas. Mesmo em tempos de coquetel Molotov, relações inflamáveis; homem e mulher com suas diferenças ainda podem ser café com leite matutino: hábito diário que nos faz acordar com cafeína e essência láctea, porque estreia sem ensaio, apresenta sem público, complementa sem aplausos, entra em cena a dois. (*) Texto elaborado em conjunto com a excritora Ana Cecilia Romeu do Blog HumorEmConto (anaceciliaromeu.blogspot.com.br)