Pão de Queijo com Chucrute By Ariadne Rengstl / Share 0 Tweet Qualquer pessoa pode deixar de compreender uma piada simplesmente por desconhecer referências específicas utilizadas como base para o humor. Num outro país estamos mais sujeitos ainda a não reconhecer referências culturais e perder o sentido da piada. Mesmo assim, é possível apreciar o humor de terras distantes. Mas como? Tudo começou há uns sete anos atrás, quando me mudei para a Alemanha sem saber alemão. O básico do básico já tinha aprendido, mas não era o suficiente. E a cada dia constatava amargamente que tinha entrado num beco sem saída e a solução para meu problema era uma só: aprender a língua o mais rápido possível para poder entender programas de TV, finalmente ir ao cinema – sim, nos cinemas alemães todo filme é dublado – captar as mensagens de conversas de bar e até mesmo rir de uma piadinha de vez em quando. E bota de vez em quando nisso. Explico. No começo era a palavra, ou seja, não sabia a língua, não entendia nada. Quando alguém ria daquilo que os outros diziam, pedia uma tradução-explicação que, acredite, em 99% do tempo não tinha graça nenhuma, pois como já sabemos, piadas em geral, comentários e situações engraçadas perdem a comicidade se contados fora do contexto original, pior ainda quando traduzidos. Por isso esforcei-me muito, estudei dia e noite, aprendi o tal do alemão a fim de desvendar os mistérios escondidos atrás de tantas palavras estranhas e poder rir descontraidamente de tudo aquilo que o mundo à minha volta achava engraçado. Queria esquecer tantos dias de tortura e desconforto por ser a única pessoa na mesa a carregar uma espressão séria no rosto e um cançaco profundo na alma, afinal não é fácil ficar acordada até altas horas da noite ouvindo um blá-blá-blá sem sentido, fingindo estar se divertindo. Então, aprendido o alemão, esbarrei-me com outro inimigo atroz do estrangeiro, alí mesmo na mesa do bar. O dialeto. Enquanto me matava para aprender o alemão culto, todos à minha volta só falavam bavariano, uma língua semelhante, mas intrinsicamente complexa e bastante diferente do alemão per se. Mais um obstáculo que tenho superado a cada dia, mas não completamente por motivos óbvios, já que livros, programas de TV, aulas, jornais e muito mais são todos em alemão. O dialeto fica restrito à prática oral, ou seja, à maldita conversa de bar – pode acreditar! Ainda ando cochilando pelos botecos da vida – e como não poderia deixar de ser, ele é proeminente no mundo da comédia, claro. Na TV não faltam comediantes se expressando em dialeto bávaro, austríaco e até mesmo suíço. Mas como essas regiões são geograficamente próximas, o alemão que vive nelas possui uma certa capacidade de comprender as diversas variedades sem muita dificultade. Pelo menos é o que dizem. Eu não posso garantir nada, mas um bom exemplo seria um brasileiro tentando entender piadas originalmente portuguesas, o que, diga-se de passagem, não é tarefa assim tão fácil se considerarmos o conhecimento da cultura em que o texto cômico é concebido como sendo um dos ítens mais importantes para o processo de compreensão de humor em geral. Sim, compreender a língua – culta ou dialeto – não é suficiente para apreciar comédia. A história, costumes, e – no nível lingüístico, mas culturalmente específico – o uso de expressões idiomáticas, ditados populares, citações de pessoas famosas, passagens conhecidas da literatura, frases feitas de comerciais de TV, toda uma base cultural é relevante para a compreensão do mais simples e direto comentário, ironia, piada, sarcasmo, etc. Por exemplo, saber qual é a “minoria” preferida a ser usada como alvo de piadas evita muitos desentendimentos semânticos. No Brasil curtimos com a cara de potugueses na esfera global, e na nacional temos os paulistas que “tiram sarro” dos mineiros, que por um lado “gozam” da cara dos goianos e ao mesmo tempo curtem com a própria cara. Conhecer os estereótipos que regem a cultura de um país é crucial para compreender tal “humor de minorias”. Na baviera o alvo mais querido são os austríacos. No resto da Alemanha é a baviera que é “gozada” a torto e a direito, apesar de o típico bávaro, com suas calças de couro e jeitinho dialetal de falar ter se tornado um símbolo internacional alemão – noutras palavras, o bávaro estereotipado simboliza o alemão no mundo globalizado. Ainda assim, por mais que tenha estudado história, aprendido muito sobre costumes regionais e ter mais afinidade com frases feitas, ditados e personalidades alemães, não assisti TV na alemanha pelos últimos 30 anos, nem conheço todas as cantigas de roda, ditados populares e personagens que podem a qualquer momento ser usados como base para uma piada ou ironia. Para ser capaz de apreciar o humor de uma terra extrangeira não basta estudar sua língua, mas sim viver a cultura e história do país e da região que habitamos. Ou você acha que qualquer estrangeiro que chega ao Brasil vai captar as referências cômicas escondidas nas palavras “foi sem querer querendo”? Já consigo sorrir, rir e até mesmo gargalhar sob o efeito do humor alemão, mas pelo fato desta apreciação depender de tantos detalhes e também de elementos tão culturalmente específicos como o “senso de humor”, admito que ainda ouvirei muitas piadas alemãs e continuarei impassível, não só por desconhecer seu background, mas simplesmente por não compartilhar 100% do senso de humor alemão.