Dá para se virar em inglês


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    Para viver com qualidade num outro país é preciso que se aprenda sua língua pátria ou oficial. Ainda assim, os desavisados acreditam ser possível contornar essa realidade com o inglês. Isso poderia ser verdade, afinal aonde quer que vamos na Alemanha, ele está lá, latente, mas não integralmente.

    Certa vez, em viajem ao Brasil, encontrei no avião um senhor que dizia estar retornando de uma conferência em uma das famosas universidades alemãs. Na época eu cursava o mestrado em língua inglesa e lhe contei que tinha passado maus bocados para aprender alemão – um pré-requisito para ser admitido em qualquer universidade alemã. Surpreso, o senhor insistiu que esta regra era uma bobagem, já que na Alemanha – na opinião dele – é possível se virar muito bem apenas com o inglês. Ao perceber onde a conversa ia dar, cortei o assunto e voltei a assistir a um filme. Com a discussão ainda na cabeça, não pude deixar de refletir sobre tal visão simplista acerca da língua deste país. Uma visão à qual até mesmo eu cheguei a abraçar.

    Mas por pouco tempo. Pois bem, quando pisei em terras alemãs pela primeira vez tive a mesma impressão que o senhor do avião. Todos aqui fazem o possível para se comunicar em inglês com os extrangeiros e – por pior que possam se expressar – acabam conseguindo. As conversas, no entanto, não passam de um “small talk”, e a maioria delas têm um estilo “mim saber inglês”. Além disso, o inglês também já me salvou em situações de emergência (“train broken, take bus!”) e me fez acreditar que a vida na universidade seria fácil, uma vez que todas as minhas aulas e livros eram naquela língua.

    Tudo parecia perfeito quando, num belo dia, um bate-papo – em inglês – com a coodenadora de matrículas da universidade me abriu os olhos para o fato de que sem alemão não há solução. E não há mesmo. Toda a burocracia – na universidade e fora dela – é em alemão. A papelada da matrícula era toda em alemão, sem misericórdia, e só consegui decifrá-la com a ajuda de nativos da língua.

    Cursos extras seriam em alemão, avisou-me a coordenadora, e também haveria aulas de tradução – adivinhe para qual língua! Comprar pão, fazer supermercado, ler os documentos do banco e os do seguro, tomar o trem, cortar o cabelo, assistir à TV, ir ao cinema – sim, para o desespero da cinéfila aqui, no cinema todo filme é dublado em alemão, com raras exceções – tirar carteira de motorista, ir ao médico, comprar um sanduiche, perguntar a um passante onde fica o próximo ponto de ônibus, entender por que o trem pára no fim do mundo, todos os passageiros descem e só você fica lá dentro dando bobeira, arrumar um emprego, ler o jornal, tudo, tudo é em alemão.

    Afinal, estou e vivo na Alemanha, país no qual o alemão é língua oficial, diga-se, língua administrativa, educacional, e integracional, desde que cada território possui dialetos alemães distintos e o alemão culto serve como uma língua comum que ajuda a manter a unidade do país.

    Em alguns dias – um ou dois para ser mais exata – percebi que para viver bem na Alemanha é preciso saber muito bem o alemão. Para compreender e ser compreendido, para integrar-se e ser bem recebido, para experienciar uma nova cultura a fundo, e ser independente e bem sucedido num mundo regido pela língua alemã. Quanto ao senhor do avião, ele não vive aqui. É apenas um acadêmico em visita ao nicho universitário alemão, onde o inglês serve muito bem como língua científica universal, usada em conferências internacionais, e não em aulas ministradas para uma maioria esmagadora de alunos alemães. Por isso digo com convicção que “se virar com o inglês” na Alemanha é mito para turista ouvir.

    Para eles turistas que vêm, passam, e formam opiniões generalizadas, pois não necessitam entender nem ser entendidos no dia-a-dia deste país.

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Ariadne Rengstl