O Frio


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Minha cidade natal fica no interior de Minas Gerais e é um dos lugares mais quentes que já conheci. Já a Alemanha…

Minha cidade natal fica no interior de Minas Gerais e é um dos lugares mais quentes que já conheci. No verão as temperaturas estavam sempre acima dos 30-35 graus e, quando criança, o inverno era tão ameno que bastava uma blusa de frio para que me sentisse aquecida. As pernas, ah, essas nem precisavam de proteção, e lá ia eu de bermuda e blusa de moletom para a escola. Hoje com a mudança climática, o inverno é bem mais frio – chegando a uns 4-6 graus durante a noite – e o verão é uma loucura total, com temperaturas batendo a marca dos 39-40 por vários dias. Resumindo, há 12 anos meu hábitat natural era um forninho de microondas. Até os 17 anos meu mundo era basicamente quente, com sol o ano inteiro e clube todo fim de semana.

Porém, um belo dia, resolvi estudar no norte do Paraná, numa cidade que todo mundo dizia ser fria – só por ser no Paraná e todo mundo no Sudeste achar que dalí para baixo é inverno o ano inteiro. Muito bem, cheguei a Londrina para o vestibular de verão e na mala levei basicamente roupas de inverno. Nem preciso dizer que tive problemas! E amaldiçoei a todos que me aconselharam erroneamente! O clima estava tão quente, mas tão quente, que me senti em casa e resolvi ficar. Tive sorte por ter conhecido a cidade no verão, pois diziam as lendas urbanas que muitos vestibulandos vindos do norte do país para o vestibular de inverno desistiam das provas de cara por não se disporem a enfrentar o frio aterrador da cidade.

Lendas urbanas à parte, o inverno da cidade se mostrou realmente aterrador para um bicho de forno como eu. Porém, os dias frios eram em sua maioria ensolarados – mesmo com a neblina da manhã – e as temperaturas só chegavam a 0-4 graus durante a noite, hora em que já estava empacotada em cobertores quentinhos – ou não, com por exemplo naquele dia que descobri o que é frio de verdade ao voltar pra casa  às 4 da madrugada. Também com o inverno de Londrina descobri algo inacreditável: a alergia ao frio. Dos joelhos e pés pipocavam estranhas protuberâncias vermelhas, semelhantes a espinhas, que doíam e coçavam ao mesmo tempo. Mas bastava o inverno passar para a saúde cutânea voltar. Graças aos céus.

Então, num outro belo dia, resolvi me mudar para a Alemanha com a promessa de aquecedores, máquinas de lavar louça, e água quente encanada. Eu ouvia vozes que diziam “o inverno na Alemanha é muito mais confortável” pois “o frio fica do lado de fora”. E é isso mesmo, o frio fica do lado de fora e o carro também, mas ninguém me avisou que teria que raspar o gelo do pára-brisas, nem limpar a neve da calçada. Mas claro, o frio fica do lado de fora, mas mesmo assim temos que andar na rua – para chegar ao trabalho, para ir ao cinema ou a um café, restaurante e tal – e precisamos de ar puro, movimento e um pouco de sol na cara, mesmo porque este sol que na minha terra natal sempre ilumina, desaparece por dias e dias nesse mundo de cá. E lógico, no belo dia que resolvi vir para a Alemanha nem me lembrei de minha alergia ao frio, que piorou muito ao chegar aqui. E assim que cheguei percebi que a lei de Murphy estava no meu encalço: meu primeiro inverno aqui foi um dos mais frios da Alemanha em mais de 20 anos. Quer dizer, saí do forno para  cair numa gelada mais fria que aquelas às quais os alemães estão acostumados a enfrentar. Só posso dizer que foi de doer. Principalmente devido à alergia. O dermatologista disse que o melhor remédio era manter meus joelhos e pés devidamente aquecidos – irônico ele, não? – e que nada mais poderia ser feito. Ou seja, um bicho do forno realmente não está preparado para se mudar para a geladeira sem efeitos colaterais. Ah, e além da alergia, descobri que meus ouvidos são ultra-sensíveis a qualquer brisa fria, até mesmo as mais amenas na primavera, fato que nos traz aos dias de hoje.

Hoje posso dizer que após manter joelhos e pés devidamente aquecidos ao mesmo tempo em que me expunha o máximo possível ao frio com o propósito de criar resistência – ou endurecer a couraça – a alergia desapareceu! Os ouvidos ainda são ultra-sensíveis, mas há mil e uma formas de protegê-los “adequadamente” com tapa-ouvidos, faixas e gorros. Porém, este ano o tal frio polar que não chegava aqui a mais de 20 anos resolveu nos visitar novamente, e perebas nunca antes imaginadas decidiram me atacar.

Com temperaturas chegando a 17-20 graus negativos, adquiri uma infecção na pálpebra do olho esquerdo. Fui ao oculista e, como estou grávida, ele não quis me receitar nenhum remédio. O melhor a fazer é “manter os olhos devidamente aquecidos” – e sofrer com a dor e o inchaço – até melhorar, pois a tal infecção é apenas um tipo de espinha causada pelo frio, algo que me faz lembrar da minha antiga alergia espinhosa nos pés e joelhos. Até aí tudo bem. Porém, sim, de novo, porém, noutra bela manhã congelante amanheci com uma dor de ouvido infernal. Fui ao médico e não deu outra: peguei um “resfriado” no ouvido. Um resfriado no ouvido!? E como estou grávida, o doutor não receitou nada. O melhor remédio? Claro! “Mantenha os ouvidos devidamente aquecidos” que logo passa. Beleza. Tanto sofrimento sem medicamento parece difícil aguentar, mas pelo menos tem seu lado bom: constatar que qualquer remédio, por mais inofensivo que pareça, pode causar efeitos colaterais indesejáveis; que nem toda enfermidade precisa ser tratada com remédios caros que só enchem o bolso da indústria farmacêutica; e claro, que economizar dinheiro com o gasto em remédios dispensáveis dá uma sensação imensa de satisfação.

Como dito acima, apesar da couraça enrijecida, o inverno sempre encontra um jeitinho de abater um bicho de forno como eu. E ainda assim continuo, persistente, com o nariz escorrendo, dor de ouvido ao vento, pelo menos um resfriado por ano, mas sempre com um sorriso no rosto por saber que, demore o quanto for, logo chega a primavera com sua beleza incomensurável que me faz esquecer todas as piores agruras inv(f)ernais.
 

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Ariadne Rengstl