Brasil: maior país católico do mundo?


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O Brasil é o maior país católico do mundo, mas pode perder este posto se o processo de diversificação religiosa, que aconteceu nas últimas décadas, tiver prosseguimento.

Na segunda metade do século XX, o Brasil tornou-se o maior país católico do planeta, devido ao seu crescimento demográfico. Até 1950, a Itália era o país com o maior contingente de católicos do mundo. No ano 2009, dos dez países mais populosos (China, Índia, Estados Unidos, Indonésia, Brasil, Paquistão, Bangladesh, Nigéria, Rússia e Japão), apenas o Brasil professava de forma amplamente majoritária a religião católica apostólica romana. Contudo, este quadro pode mudar na primeira metade do século XXI. Já existem autores que apontam para o fim da hegemonia católica no Brasil (Sanchis, 1997; Birman e Leite, 2002). Se o Brasil deixar de ser predominantemente católico, o Vaticano vai perder influência no país e verá a sua “jóia mais preciosa” perder o brilho. Tal mudança, provavelmente, terá efeito no mapa religioso também na América Latina.
 
No Brasil, o Estado do Rio de Janeiro é a Unidade da Federação que apresenta a menor proporção de católicos do país e a maior diversidade religiosa. Contudo, mesmo havendo uma tendência à maior heterogeneidade de crenças, três grupos concentravam 96% das filiações religiosas no Brasil e 94% no Rio de Janeiro,: os católicos, os evangélicos e os “sem-religião”. Estes três grupos não são totalmente homogêneos, mas são aqueles que permitem uma comparação a partir dos dados dos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os católicos fazem parte do grupo amplamente majoritário, mas também são aqueles que apresentam as maiores perdas relativas nas últimas décadas. Os evangélicos (crentes ou protestantes) constituem o segundo grupo em tamanho e têm apresentado uma aceleração do crescimento na última década. São também o grupo mais diversificado e que apresenta uma grande quantidade de denominações, que, para efeitos práticos, são classificadas em evangélicos tradicionais e pentecostais. O grupo sem-religião agrupa aquelas pessoas que dizem não ter fé alguma ou mesmo não ter religião definida.
 
Os dados do censo demográfico de 1940 mostraram a seguinte distribuição da filiação religiosa no Brasil: 95,2% de católicos, 2,6% de evangélicos, 0,2% de sem-religião e 1,9% de outras religiões. Trinta anos depois a situação tinha mudado muito pouco, com uma ligeira redução do percentual de católicos e um pequeno crescimento dos outros grupos. Entre os anos de 1970 e 2000, todos os grupos religiosos cresceram em termos absolutos, porém, só os católicos decresceram em termos relativos e o grupo das outras religiões permaneceu praticamente constante. A redução percentual dos católicos se acelerou ao longo das três últimas décadas. O percentual de católicos que era superior a 90% ao longo do século XX caiu para menos de três quartos no ano 2000. Se na virada do milênio os católicos tivessem o mesmo percentual da população que tinham em 1970, isto representaria 30 milhões de pessoas a mais. Pode-se dizer, então, que estes 30 milhões de pessoas migraram para os demais grupos. Em termos absolutos, os evangélicos se consolidaram no segundo lugar e foi o grupo que apresentou maior crescimento, apresentando uma aceleração nas últimas décadas. O grupo “sem-religião” foi o que deu o maior salto no período, passando de menos de 1% em 1970 para mais de 7% em 2000. Os demais grupos religiosos (neo-cristã, espíritas, umbanda, candomblé, judaica, orientais, etc) passaram de 2,3% em 1970 para 3,3% em 1991 e apresentaram um ligeiro declínio na participação relativa (3,2%) no ano 2000.

O panorama nacional mostra que o quadro religioso brasileiro está se diversificando e se tornando mais heterogêneo, principalmente nos anos 90. Contudo, esta maior diversificação se deve, fundamentalmente, ao crescimento dos evangélicos e dos “sem-religião”. O censo 2000 mostra que a maior penetração católica se dá na Região Nordeste e a menor nas Regiões Centro-Oeste, Norte e Sudeste. São exatamente nestas três Regiões que existe a maior proporção de evangélicos. Os Estados de Rondônia, Espírito Santo, Roraima e Rio de Janeiro apresentaram, nesta ordem, as maiores proporções de evangélicos, mas foi o estado do Rio de Janeiro que apresentou a menor proporção de católicos (cerca de 56%). O Rio de Janeiro também foi o estado que apresentou a maior proporção do grupo “sem-religião” e de outras religiões (IBGE, 2002).

A Igreja Católica Apostólica Romana reinou soberana por quase 500 anos no Brasil. O catolicismo sempre fez parte da nacionalidade brasileira. Contudo, o quadro religioso pode mudar no século XXI, que começou com intensa movimentação das igrejas. Existe um processo de “diversificação concentrada”, isto porque a diversificação religiosa aconteceu entre três grupos (católicos, evangélicos e “sem-religião”). Em parte, a diminuição relativa da chamada “cristandade” tem a ver com o processo de industrialização, urbanização e secularização por que passou a sociedade brasileira. Como mostrou Camargo (1971), o catolicismo tradicional no Brasil sempre esteve ligado à sociabilidade rural, cujas normas e valores culturais estava ligada ao processo de institucionalização do catolicismo no país. As transformações estruturais e institucionais ocorridas na segunda metade do século XX propiciaram um certo “desraizamento” de grande parte da população, abrindo espaço para o crescimento das correntes evangélicas e dos “sem-religião”.

Os evangélicos começaram a se fixar no Brasil mais de 300 anos após a realização da primeira missa católica, rezada em 26 de abril de 1500. Mas, no começo, a presença evangélica estava ligada a grupos específicos de imigrantes e estava localizada em espaços territoriais limitados. Somente nas últimas décadas o fenômeno evangélico tomou uma dimensão nacional e teve “ganhos de escala” para se constituir numa força que pode vir a ameaçar a hegemonia católica no país. Tanto os evangélicos de missão, quanto os pentecostais apresentam grande multiplicidade de denominações, mas especialmente os últimos se subdividem em uma miríade de igrejas que se espalham por todo o território nacional. O caráter militante e missionário dos evangélicos é uma fato bastante conhecido e pode ser exemplificado pelo seguinte ditado: “A bíblia do católico cheira a mofo e a bíblica do evangélico cheira a suor”.
 
O crescimento do grupo “sem-religião” acompanha dois vetores: o processo de secularização, por um lado, e a disputa do “mercado religioso”, principalmente, entre católicos e evangélicos, por outro. Naturalmente existem muitas pessoas que não acreditam em Deus, mas, em grande parte, ser sem religião não é o mesmo do que ser ateu. O grupo “sem-religião” parece abarcar pessoas sem religião definida ou que abandonaram uma igreja e não chegaram a se filiar em uma outra. Este grupo é composto maioritariamente por homens e possui forte peso de crianças e jovens.

Evidentemente, é muito difícil fazer projeções e saber se estas tendências vão prosseguir ou retroceder nas próximas décadas. Mas a análise dos dados sugerem que o crescimento dos evangélicos deve prosseguir, pois eles estão mais presentes entre os jovens e nas regiões com maior crescimento demográfico, ao contrário dos católicos que possuem maior peso entre a população idosa, na população rural (que é pequena e está diminuindo) e nas regiões com menor dinamismo demográfico.

O processo de difusão das filiações evangélicas, especialmente dos pentecostais, pode ser descrito como um avanço que se dá prioritariamente nos estratos sociais menos privilegiados, nas periferias das cidades, nas regiões urbanas, entre as mulheres, entre a população negra (preta + parda), entre as pessoas de nível educacional baixo ou médio e entre os jovens. Desta forma, podemos dizer, grosso modo, que o Brasil está passando por um processo de mudança religiosa e cultural, com difusão da mensagem evangélica que acontece de baixo para cima, em termos sociais, da periferia para o centro, em termos espaciais, do meio urbano para o rural em temos de situação do domicílio, dos negros para os brancos, em termos “étnicos/raciais”, dos jovens para os idosos, em termos de geração e das mulheres para os homens, em termos de gênero.

Para consultar uma versão completa desta análise, ver o seguinte artigo:
ALVES, J. E. D. ; NOVELLINO, M. S. F. . A dinâmica das filiações religiosas no Rio de Janeiro: 1991-2000, Um recorte por Educação, Cor, Geração e Gênero. In: Patarra, Neide; Ajara, Cesar; Souto, Jane. (Org.). A ENCE aos 50 anos, um olhar sobre o Rio de Janeiro. RJ, ENCE/IBGE, 2006, v. 1, p. 275-308

 

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José Eustáquio Diniz Alves